quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Memórias boêmias do Círio de Nazaré.

Nos meus bons tempos de boemia irresponsável, hoje é mais madura (será?), costumava ir para a Festa da Chiquita, juntamente com a “Canallha”, na noite do sábado anterior à grande procissão do Círio de Nazaré...
Costumávamos ficar na Chiquita até quase amanhecer e, lá por volta das 4 da manhã, rumávamos para o Ver-O-Peso onde encontrávamos milhares de fies se colocando ou já colocados na corda da Santa, para pagar promessa. Esse era o momento maior do sacrifício humano, “ir na corda”!
Éramos parados pelos homens do exército que pediam que tirássemos os sapatos, já que, de determinado perímetro em diante, sapatos nos pés poderiam machucar os demais promesseiros descalços. Fazíamos isso. Circulávamos na multidão que se formava e rumávamos para as barraquinhas da feira.
Lá a patuscada recomeçava. Tecnobrega pra cá, Brega pra lá, barulho pra todos os lados, fogos constantes, pessoas falando o tempo todo, “cuidado com a carteira” (dizíamos uns aos outros!), mais uma gelada, mais outra, mais outra, enquanto a multidão se aglomerava na rua à frente.
O dia amanhecia, o sol aparecia rumando da baia do Guajará em nossa direção e o centro de Belém há esta altura já estava tomado por milhões de pessoas: “rio de gente”, com o já disseram tantos poetas!
O Ver-O-Peso fervilhava, pipocava, explodia. Caboclos de todos os lados, pobres, ricos, turistas, boêmios amanhecidos da Chiquita, promesseiros, vendedores, trombadinhas, prostitutas habituais, cheiro de peixe frito no ar, a constante ameaça de uma pancadaria, cada barraca com o seu som no máximo, suor, calor, e fogos e fogos anunciando que a santinha tava pertinho. Barulho infernal!
Barulho infernal!
Mas, eis que a Santa passou na frente das barracas do Ver-O-Peso e, como que por milagre, ao passar lentamente carregada por milhares de pessoas espremidas umas as outras, os sons das barracas eram desligados, de acordo com seu caminhar. Os bêbados por um momento retomavam parte da sobriedade perdida e cambaleantes percebiam que era hora de ficar quieto e calado. Todos olhavam a santinha pequenina passar ao longe, cercada pela corda e pela cúpula da igreja.
Ao passar na nossa frente o tecnobrega da barraca era substituído pelo falar dos devotos, pelos fogos em homenagem à Santa (que na verdade nunca paravam!), pelos sinos que da Sé ainda repicavam e pelo “vós sóis o lírio mimoso...”, cantado em coro na rua. Em cerca de 10 minutos a Santa passava e ao passar, como uma onda organizada, o som das barracas eram religados, uma a um, do mais distante ao mais próximo, seguindo a lógica do afastar-se da berlinda.
Um dos nossos saiu do transe sagrado e de repente grita: “ei garçom pega mais uma gelada ai!”. E o Ver-O-Peso fervilha, pipoca, explode novamente. Caboclos de todos os lados, pobres, ricos, turistas, boêmios amanhecidos da Chiquita, promesseiros, vendedores, trombadinhas, prostitutas habituais, cheiro de peixe frito no ar, a constante ameaça de uma pancadaria, cada barraca com o seu som no máximo, suor, calor, e fogos e fogos anunciando que a santinha ta indo embora, mais ainda tá pertinho. Barulho infernal!
Barulho infernal!
Até o ano que vem!



Para os não iniciados:

Festa da Chiquita:
No sábado à noite ocorre a Festa da Chiquita, que iniciou ainda nos anos 80 ou fins de 70 (não tenho certeza) inicialmente como uma festa profana dentro da programação religiosa, sem o apoio da igreja obviamente. Com o passar do tempo foi sendo incorporada ao movimento gay e se tornou evento de afirmação GLBT. Já há muitos anos tem essa conotação, com a presença de Drag kings e a escolha do “Veado de Ouro”, para o melhor desempenho no concurso. A festa vai até altas horas da madrugada, ao som de música eletrônica e depois carimbó. Ocorre ao lado do teatro da Paz, na praça da república. Por volta das 4 da manha faz concorrência com os promesseiros que vão acompanhar o Círio de Nazaré.
Segundo o organizador da festa, o velho requeiro paraense Eloi Iglésias, a Festa da Chiquita é tão importante que só nela Nossa Senhora original se faz presente, nos demais eventos religiosos do círio ela manda suas covers (A santa peregrina, que é a replica da original!).

Círio de Nazaré:
A maior evento do catolicismo brasileiro e possivelmente um dos maiores do mundo. Uma festa de santo como tantas outras (fora o tamanho!) que culmina com a grande procissão do segundo domingo de outubro, que chega a levar as ruas de Belém mais de 2 milhões de pessoas. Sobre o Círio não dá pra falar muito, tem que ser vivenciado!

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