segunda-feira, 28 de maio de 2012

Manhã qualquer.


E a cidade continua acordada nesta manhã ensolarada.
Os automóveis tomam suas artérias.
Os engarrafamentos são como pulsões nervosas que mostram que todos estão vivos.
“O pulso ainda pulsa”.
O vendo ainda sopra em algum lugar.
Na rua, em meio a coisas animadas e inanimadas, mendigos dormem tranqüilos, se espreguiçando da noite recém acabada.
Na padaria o pão deve estar quentinho.
No ponto de ônibus as pessoas se amontoam.
Naquela arvore da avenida, na praça, os pássaros já fizeram algumas revoadas coordenadas e pirotécnicas. Pareciam fogos de artifício no nascer do dia.
Muitas coisas aconteciam naquela manha na cidade e no mundo:
Maria largou o mestrado. Encheu o saco de ter que bajular professor doutor, catedráticos que só pensam no seu umbigo!
Roberto continuou fazendo exatamente o que sempre fez a vida toda. Trambalhar e trabalhar e trabalhar e trabalhar na padaria da esquina, onde fazia pão. Acordava todos os dias às 4 da manhã e o salário no final do mês quase não dava pra comprar o gás de cozinha.
Marlene continuou velha até que morreu um dia, enquanto dormia. Amanheceu morta enquanto os pássaros faziam revoada.
Antônio largou o emprego e abriu um bar no Marajó. Casou com uma italiana que fazia turismo. Depois de alguns meses foram embora pra Itália, de onde me mandam cartões postais muito bonitos, de vez em quando. Soube recentemente que o seu primeiro filho nasceu!
Aquele garoto de que não lembro o nome reapareceu no bairro da periferia. Estava de bicicleta na esquina quando eu chegava em casa um dia desses. Magro, sorriu pra mim e me disse “fala vei, qual é a sua já?!”. Pediu um trocado como de costume. Neguei inicialmente, mas como não o via há meses resolvi lhe dar um real.
Às vezes sinto que um dia ele vai desaparecer e não vai ressurgir mais...
Meio querendo me assustar, manter a fama de mau que perdera na comunidade, ainda me disse, quando o perguntei por onde tinha andado: “Pô, eu tava puxando cadeia de novo tio! Mas tá tudo de boa agora!”. Eu falei: “te cuida meu!”. E fui embora pra casa.
E a manhã seguia, até que o dia foi passado, e quando percebemos, todos nós, cada um no seu canto, já era noite!

terça-feira, 22 de maio de 2012


Não durmo mais de dia,
nem de noite,
nem de madrugada.
Não cultivo o hábito de sossegar!
Só fico com a boca aberta
e as pálpebras escancaradas
– inerte! – vendo o tempo passar!

segunda-feira, 21 de maio de 2012

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Exotizar no cu dos outros é refresco!!


Desde pelo menos o século XV ou XVI, mas possivelmente antes disso, o povo é recorrentemente “(re-)descoberto” pelos intelectuais, pelos artistas, cientistas, etc. Os antiquários descobriram o povo; os folcloristas, os músicos, os antropólogos etnografaram o popular; os revolucionários os elegeu, os salvou, foram salvos por ele; a direita o catalogou, catalogou a canalha, as turbas, em seus motins (sempre pra controlar, oprimir); os literatos, os fotógrafos, os cineastas, as vanguardas, etc., etc. Nada contra, tudo é muito diverso inclusive, os motivos, as ideologias, as estéticas, tudo é muito diverso pra haver uma opinião única sobre o fenômeno, etc., etc. Mas fico a me perguntar como seria, por exemplo, os pobres, o povo, os exóticos etnografando, fotografando, filmando, folclorizando, exotizando os ricos, os intelectuais, os artistas. Fico imaginando um estudo de campo dentro da sala dos catedráticos, ou fotografias, filmes sobre os modos de vida burgueses. Fico imaginando como seria engraçado, curioso, exótico isso! Sei lá!

quarta-feira, 9 de maio de 2012

domingo, 6 de maio de 2012


o mundo é maior dentro das coisas
o mundo é maior quando tem casca
o mundo é maior se tem pelinhos
o mundo é melhor se tem espelhinhos
e é melhor se tem brilhos
o mundo é maior se tem redemoininhos
bem pequenininhos
do tamanho de um botão
o mundo é bem melhor quando a osguinha caminha tranquila na parede branca...
o mundo é melhor só de vez em quando
mas tudo isso não passa
de um monte de reflexão sobre um bocado de coisa nenhuma...
coisa nenhuma coisa
nenhuma

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Morrer de infinito


Tenho medo de morrer de rio
Como se o rio fosse minhas veias
E o meu sangue transbordasse
Tenho medo de morrer de ar
Como se meu pulmão fosse o céu inteiro
E dentro de mim, eternamente, tempestadiasse
Tenho medo de morrer de terra
E ficar crucificado no chão
Como se eu fosse uma pequena bactéria
Incrustada num frio pedaço de carvão
Só não tenho medo de morrer de infinito
Pois mesmo que expurgue um estrondoso grito
Das profundezas quase incólumes de meu pulmão,
A vida-morte pulsaria eternamente
E minha voz plasmada no absoluto
Tornar-se-ia parte da própria imensidão