sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Poema

para mim não há meio termo
ou é muita dor
ou muita alegria
ou capitalismo
ou rebeldia
nada de mais - ou menos - me surpreende
ou é um berro
ou o silêncio sepulcral
floresta amazônica
ou pantanal
amores dolorosos
de prazeres gemidos
insanidades cotidianas
fumar um cigarro e comer a bagana
plantar uma arvore e esperá-la crescer
ficar do lado dos perdedores
morrer! morrer! morrer!
renascer! renascer! renascer!
mas nunca, nunca na luta tombar
ser traído pelo melhor amigo
trair o melhor amigo
ser roubado
ser cuspido
- na cara por quem nunca se esperava -
ficar com a cara roxa de tanta raiva
e ter pena dos miseráveis de plantão
mas nunca ser hipócrita e ficar em cima do muro
dizer toda a verdade de maneira segura
mesmo que toda verdade não seja tão boa
e que não sirva pra qualquer pessoa
mas que pareça justa para o excluído
que seja justa aos detraídos
que se deixam roubar pelo bom cidadão
não me convence o meio termo
não quero saber de segunda via
já me basta a vida em eterna apatia
e a desgraçadura do sempre viver
amarei todos os revolucionários
a todos os homens-bombas
e incendiários
mas, não aceito a covardia
de viver a farsa da eterna alegria
a alegria mesquinha do viver
eu quero o grito, o berro espúrio
quero beber água com mercúrio
quero tomar banho de chuva à madrugada
e de preferência com uma mulher amada!
quero levantar também enxada -
foices e martelos e tudo mais -
quero caminhar com o negro mais retinto
um Macunaíma de vermelho e faminto
quero olhar em frente ao espelho
e descobrir que sou crioulo
e descobri que sou latino
e descobrir que sou cafuzo
e descobrir que sou inteiro
em toda minha descontinuidade
e descobrir que sou um índio
que tem um pé na floresta
e outro pé na cidade
que tenho um pé lá na Colômbia
e uma mão na Venezuela
e os meus olhos na Bolívia
e meu coração lá na favela
e meu coração em Cuba
e com todo isso não tenho culpa
porque a culpa não me convém
pois a culpa não me contém
não me basta o meio termo
eu quero mesmo é o termo inteiro
a feijoada com todos os temperos
e a vontade de dividir o pão
não me basta amor meia-boca
quero o amor de todos, sem roupas!
corpo a corpo em devassidão
quero imprimir o ódio aos juízes
e beijar a boca das meretrizes
- que devem dar o que quiserem dar -
dessacralizando o corpo inteiro
tornando tudo, um grande puteiro
porque todo corpo é mesmo um puteiro
de prazeres que desconhecemos
prazeres alienados do se dar
mas, puteiro mais que puteiro!
é ver chegar qualquer fevereiro
e não deixar o samba passar!
mas, puto, mais do que puto
e ver passar a banda tocando
ver o suor da mulata pingando
a cachaça exalando no asfalto
e nem o dedinho do pé balançar!

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Câncer ou de ataque cardíaco

acredito convictamente
que vou morrer de câncer
ou de ataque cardíaco
e olha que não acredito nos signos do zodíaco
como já anunciava um poeta que amo
mas creio que vou morrer cedo
mesmo não querendo!
morrerei provavelmente esquecido
como gostaria de ser todo poeta marginal
- apesar de que não sou marginal -
de fato tudo isso
me soa muito esquisito
só creio que vou morrer deste jeito
mas morrer todo mundo morre
ninguém é perfeito!
(05/11/08)

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Nosso amor

Nosso romance terminou
como se fosse ontem, hoje!
E amanhã, não passasse de um dia,
ou vários,
depois!
Nosso romance terminou como se fosse
fósforo,
queimado no primeiro cigarro barato,
da primeira esquina,
do primeiro malandro,
da primeira estação.
Nosso romance acabou
como se acabasse...
como se acabasse qualquer outono,
um desfolhado outono
depois de qualquer verão!

Nosso amor

Nosso romance terminou
como se fosse ontem, hoje!
E amanhã, não passasse de um dia,
ou vários,
depois!
Nosso romance terminou como se fosse
fósforo,
queimado no primeiro cigarro barato,
da primeira esquina,
do primeiro malandro,
da primeira estação.
Nosso romance acabou
como se acabasse...
como se acabasse qualquer outono,
um desfolhado outono
depois de qualquer verão!

sábado, 10 de dezembro de 2011

Sobre o tempo

Tempo,
quanto tempo falta
pra eu ficar velho?
Tempo,
quanto tempo falta para meus cabelos ficarem grisalhos?
Quanto tempo falta para o tempo passar?
Quanto tempo me resta de sobra,
das franjas do tempo,
do tempo que o tempo não quer me dar?
Quanto tempo tem o tempo?
Quanto tempo demora pro tempo passar?
Tempo, descole da pele!
Tempo revele!
Tempo descreva a dor e a beleza...
Tempo, passa tempo, não esmoreça...
Tempo, descole dos olhos,
e me feche as pálpebras numa manhã desembrial, de chuva fina, de sol escondido entre as nuvens... uma manhã que me lembre a infância...
Me tape os ouvidos.
Me exclua a sabedoria.
Tempo...
Quanta vezes já caí nas calçadas e vielas da vida?
Eu que caminhava com quatro patas no amanhecer de minha história,
corria com duas pernas no entardecer de meus dias...
quando me apoiarei em cajados?
Quanto tempo falta pro tempo acabar?
Tempo amigo...

Cumpra apenas o teu papel!

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Outras considerações sobre a Divisão do Pará

Para além do SIM e do NÃO.
Por Fábio Pessôa (historiador e militante do PT)

A campanha sobre o plebiscito ficou mesmo no maniqueísmo do SIM ou NÃO. O problema de fundo, a socialização da riqueza produzida, passou longe do debate. Infelizmente, a velha e nova direita deu a linha política tanto para o SIM quanto para o Não. A impressão que dá é que, seja qual for o resultado do Plebiscito, a divisão existente no estado irá se acentuar ainda mais.
Quando falo de divisão, não estou me referindo ao separatismo político administrativo. Não falo de uma fronteira territorial, mas de uma fronteira identitária, marcada não só pelas diferenças/clivagens étnicas, culturais como também de classes. Quando as peças publicitárias falavam de um Pará pobre e outro rico, estavam se referindo às riquezas naturais e não ao acúmulo de riquezas existentes entre pessoas ricas e pobres. O termo paraensismo se refere a um sentimento de identidade único e homogêneo, como se todos os paraenses fossem iguais, independente de sua condição sócio-econômica. Só que esse sentimento só existe na propaganda.
O debate sobre o modelo de desenvolvimento regional, por exemplo, ficou marginalizado ou suprimido no debate. O que fazer com o avanço da soja? Como equilibrar a produção alimentar com a preservação do meio ambiente? O que fazer com a riqueza produzida pela exploração mineral? Como lidar com as mortes no campo e as chacinas nas grandes cidades? E a reforma agrária, ainda vai ser tratada como uma “questão federal”? Tantas perguntas poucas respostas.
O sentimento do “nós” contra “eles” tem radicalizado o divisionismo pré-existente, podendo deixar cicatrizes profundas entre a população. É legítimo o desejo autonomista das regiões de “Carajás” e “Tapajós”. Como é legítimo o desejo dos contrários à separação. O debate de fundo, no entanto, não é esse. A fronteira pensada enquanto acesso direto dos produtores aos bens naturais está de fora desse debate, valendo a lógica do “dividir para concentrar”. Por outro lado, não está sendo proposto um modelo de gestão dos recursos públicos de modo a equilibrar os investimentos com vistas a equilibrar as diferenças.
Do jeito que está à pobreza do debate em torno do SIM e do Não irá se somar a indiferença de uns com a truculência de outros, sem falar do oportunismo de outros tantos. A única coisa boa disso tudo é a experiência democrática consubstanciada pela prática do Plebiscito, prática incomum no Brasil. Que essa seja a forma para decidir sobre temas de relevância nacional, como o Plebiscito pela reestatização das empresas privatizadas, como a poderosa Vale, a descriminalização do aborto e das drogas, entre outras matérias polêmicas e restritas a decisão de um Congresso visto com cada vez mais desconfiança pela população. Pelo menos algo de bom podemos esperar desse processo marcado pelo rebaixamento do debate político.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Sobre a divisão do Pará.

Recentemente um amigo do Rio perguntou a minha opinião sobre a divisão do estado do Pará. Estava querendo escrever sobre isso faz algum tempo e com a pergunta dele acabei me forçando a fazê-lo agora. Sendo assim, coloco minha opinião sobre isso, de maneira objetiva e sem falsos "paraensismos":


Então vamos por parte.
1. Grosso modo quem propôs a divisão foram setores da elite paraense ligados às regiões em questão. Na verdade os projetos de divisão foram elaborados por políticos de fora do Pará. Aqui quem sustenta a divisão é a elite ligada ao agro-negócio, madeireiras, fazendeiros, etc. e que obviamente pretendem mais espaço político com a criação de novos estados. Os interesses são econômicos e políticos de fato e não sociais.
2. Culturalmente falando há uma divisão real entre as regiões (não necessariamente na ordem que foi traçado o mapa da divisão). Essa divisão cultural é fruto dos processos migratórios recentes, das últimas décadas. Ou seja, já existe uma divisão de linguagem, de costumes, de modos de vida, etc. Para a população pobre dessas regiões a divisão aparece como possibilidade de melhoria de vida, já que o modelo de desenvolvimento econômico do Pará, pelo menos desde a Ditadura militar, foi o de favorecer os ricos e excluir a população das terras, dos recursos que geram distribuição de riqueza, etc. Ou seja, são populações que necessitam realmente de melhorias muito significativas nas suas regiões, mas infelizmente os interesses dos setores que coordenam a divisão, das elites, não é exatamente atender a essas necessidades. Com a divisão não há perspectiva nenhuma para mudança do modelo econômico, ou seja, o controle das terras e recursos naturais permanecerá nas mãos das mesmas elites locais e grandes empresas internacionais, etc. Os grupos que coordenam a divisão nem de longe tratam deste assunto, porque não lhes interessa mudar essa realidade!
3. Algumas pesquisas já mostraram que a criação dos estados, por outro lado, não resolverá os problemas sociais da região em decorrência de que eles surgirão como estados deficitários. Demorará décadas talvez para que esses estados possam se equilibrar do ponto de vista de suas receitas. Isso significa que provavelmente permanecerão como estados pobres e com desigualdades sociais marcantes. Não apenas pelo desinteresse das elites “separatistas”, nem só pelo modelo concentrador de riqueza que não foi em nenhum momento questionado por essas, mas também porque os estados serão deficitários desde o início e possivelmente continuarão assim por longos anos.
4. Do ponto de vista ecológico a divisão poderá levar a um avanço da fronteira agrícola rumo ao estado do Tapajós, que é a região que tem proporcionalmente maior quantidade de florestas. Ora, mesmo com as reservas legais é muito certo que a separação deste abriria uma nova possibilidade da expansão madeireira, agrícola, etc. para aquela região.
5. A elite do Pará, não separatista, particularmente o PSDB e grupos ligados a ele, aproveita o debate do plebiscito pra propagandear um falso estado que ruma ao progresso. Nas propagandas do Gov. do Estado todos os problemas reclamados pelas regiões que pretendem se separar não existem. Pura hipocrisia. Ninguém pode negar que existem problemas reais que atingem diretamente a população mais pobre destas regiões, essa é a base de suas reclamações!
6. Grande parte da esquerda, parte do PT e o PSOL todo, parece-me que são contra a separação, pelos motivos que descrevi acima. Mas nas regiões em disputa mesmo parte dos setores “progressistas”, talvez a parte menor, creio eu, seja favorável a separação. Na verdade os debates sobre o plebiscito chegam a ser risíveis. De um lado os separatistas prometem mundos e fundos para as populações locais sem questionar em nenhum momento as regras do jogo econômico e políticos do estado, ou seja, não questionam o modelo concentrador e excludente da região, a devastação de florestas por conta desse modelo e a expansão da fronteira agrícola e mineral. De outro, os que defendem a unidade do Pará (refiro-me aqui exclusivamente ao governo e aos setores conservadores, que são quem de fato estão comandando a campanha da não separação) fingem que tudo está numa boa e aproveitam os espaços midiáticos apenas para apelar a um “paraensismo” “patriótico”, cafona e alienado! Resume-se todo o debate a se o “tacacá” ou a estrela da bandeira do Brasil, que corresponde ao estado do Pará, vão ser ou não divididos!
7. Ou seja, muito pouco das questões que poderiam ser discutidas nestes debates não o estão sendo: a reversão do modelo econômico, a maior descentralização da ação do estado, a renegociação com as grandes empresas como a Vale do Rio Doce, uma revisão radical do modelo de ocupação de terras, a resolução dos conflitos agrários, a punição e impedimento das grilagens, a questão dos assassinatos no campo, uma nova repactuação com o poder central no debate sobre a lei Kandir e mesmo um amplo debate sobre o papel da Amazônia no conjunto da nação. Esses são os assuntos que praticamente não são tratados neste amplo debate!
8. Ou seja, estamos em maus lençóis e aparentemente continuaremos assim por um bom tempo. Eu sou contra a divisão por entender que ela não resolverá as verdadeiras questões que precisam ser discutidas. Vou votar não e não! Mas espero que este debates falso que está ocorrendo, sirva pelo menos pra que mais adiante possamos discutir os verdadeiros temas sobre o Pará e sobre a região amazônica!