domingo, 3 de abril de 2011

Tardes do interior da Amazônia

Pra mim cada fim de tarde de cada lugar tem uma peculiaridade. Lembro dos fins de tarde de Igarapé-Miri, cidade do Pará onde passei a infância e parte da adolescência. Pelo que me lembro era o típico fim de tarde interiorano: pessoas sentadas nas cadeirinhas na frente da casa, chão branco de terra batida, crianças, inclusive eu, correndo pra lá e pra cá (jogando bola, ou pião, ou peteca, pira esconde, etc.). Bom, mais isso é uma cena comum em muitas cidades interioranas Brasil a fora.
Uma coisa me chamava atenção já naquela época, ou eu acho que me chamava atenção, era a sonolência aparente, o desinteresse aparente das pessoas ao mundo.
Desinteresse apenas aparente, é claro – não quero reproduzir aqui o famoso e corriqueiro preconceito ao “caboclo” amazônico, chamando-o de preguiçoso e pouco ativo!
As pessoas estavam interessadas no mundo e nas coisas do mundo, nos seus problemas, nos seus trabalhos, nas eleições, nos seus namoros, nas doenças, nos filhos, etc. Mas estavam interessados no seu ritmo, no seu tempo, que não é o mesmo da cidade grande. É aquela vontade de se coçar despretensiosamente, espantando um carapanã do braço, um esticar os braços rumo ao céu, enquanto boceja e pergunta que horas são, se já começou a novela das seis, etc. Esse é um tempo outro, o tempo do “caboclo”, se assim podemos dizer!
Conversando com uma pessoa que conhece bastante os hábitos dos Guarani em solo paraense, fiquei sabendo que eles costumas ficar parados e calados uns ao lado dos outros, é como se não existisse necessidade de falar, a contemplação é apreciada e sentida, aí já existe uma relação... Bom, não conheço os grupos Guarani no Pará, nem quero aqui mais uma vez reproduzir nenhum preconceito (dos preconceitos tão corriqueiros que há sobre índios, caboclo, caiçaras, sertanejos, etc. que geralmente são vistos como preguiçosos, pouco ativos, indolentes, etc.; pura baboseira racista e preconceituosa!). Como dizia, não tenho contato com grupos indígenas no Pará, mas creio que essa contemplação é bem de uma realidade local, ou pelo menos esta modalidade de contemplação é de uma realidade local, e, quem sabe, isso não é ainda fruto de uma tradição cultural que herdou muitas coisas dos modos de vida (heterogêneos, obviamente) das populações originais da Amazônia – Não sei, tô apenas devaneando aqui!
Isso mês fez lembrar, por exemplo, a apologia à distração, ao ficar distraído, que tem poetas como Paes Loureiro, filho de Abaetetuba, interior do Pará...

Herdei desta vida uma vontade incrível de dormir à tarde – como durmo pouco a noite, isso recompensa. Herdei também uma relação de amor e ódio com o interior. E por fim uma coisa que gosto muito, uma atitude distraída em relação ao mundo. De vez em quando temos que nos desligar de tudo, como se apertássemos um interruptor de liga-desliga.
De vez enquanto é bom contar ondas, por exemplo, e deixar o pensamento seguir um caminho dele, sem interferência da racionalidade (se é que isso é possível!).
Sobretudo nos meses de julho fujo pra uma praiazinha qualquer que me lembro disso, mas não consigo ficar longe das grandes cidades. Como disse estabeleci uma relação de amor e ódio com o interior, com as cidades pequenas, acabei me viciando às grandes cidades, o que me faz sempre querer voltar, depois de uma temporada no interior.
Seja como for só lá tinha aquele fim de tarde, apenas lá e nas demais cidades do interior da Amazônia. Nem Belém tem isso, a não ser talvez em seus subúrbios. Brasil a fora as tardes são diferente.
Só aqui tem, por exemplo, o carapanã (nesta quantidade) que nos faz contemplarmos à tarde, as crianças correndo na rua, mas nos deixa ligados o tempo todo, batendo os braços, coçando-os, irrequietos...
É bom lembrar. Bateu uma saudade forte agora.

2 comentários:

  1. Os interiores têem uma espécie de atemporalidade ( se é q posso chamar assim) as pessoas custam a envelhecer, a brisa é diferente ,assim como os gostos, os cheiros.Este texto me faz lembrar como era maravilhoso sentir o cheiro de terra e mato após uma chuva, dos sotaques típicos e da dormidinha depois do almoço.
    Gosto muito das grandes cidades, quero conhecer mts no mundo, mas no final da minha vida (se assim me for permitido) quero ter um pequeno sítio pra criar animais,ver os netos correrem, comer frutas no pomar e sentar no fim da tarde apenas para contemplar a despedida do sol.
    PS. Isso foi uma saudade muito grande de Abaeté.

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  2. Que bonito Jac! Pô, fico feliz em saber que minha saudade te levou à tua saudade! Bjs.

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