domingo, 10 de abril de 2011

Em defesa do nome de Dalcídio Jurandir!

Acordei com a notícia de que a Av. Independência (trecho da Av. Augusto Montenegro até Ananindeua) vai se chamar Av. Jornalista Laércio Wilson Barbalho (que é pai do “homem” pra quem não sabe!). E o trecho que vai de Rodovia Augusto Montenegro até a Avenida Júlio César, que até então se chamava Av. Dalcídio Jurandir (escritor e militante comunista paraense, autor de clássicos como Chove nos Campos de Cachoeira, Marajó, etc.), vai se tornar Av. Centenário da Assembléia de Deus.
Sou contra isso por dois motivos.
Em primeiro lugar, como todo mundo sabe, Deus é comunista, então duvido que ele vá gostar dessa indignidade com o nome de Dalcídio. São raríssimos os militantes comunistas que aparecem em nomes de avenidas Brasil a fora. Aqui temos inclusive a aberração de escolas e pontes com nomes de políticos que nem se quer morreram ainda, ou seja, foram homenageados em vida (veja o caso de escolas com o nome de Jarbas Passarinho ou uma das pontes da Alça Viária com o nome de Almir Gabriel!).
Não é à-toa que nomes como Carlos Marighela ou Che Guevara só sejam homenageados em lugares onde houve luta popular. Esses são os casos de duas ocupações urbanas, ligadas ao movimento de luta por moradia, que ocorreram na região metropolitana de Belém nos anos 1990. A ocupação Carlos Marighela em Ananindeua, que mantém este nome até hoje e a ocupação Che Guevara, que oficialmente não tem mais este nome já que o antigo prefeito de Marituba, que era do PSDB, homenageou o governador da época (do mesmo partido) com o seu nome. A ocupação passou a chamar-se oficialmente “Área agrícola Almir Gabriel)...
Mas, voltado ao caso da Av. Dalcídio Jurandir. Sou contra a mudança, em segundo lugar, pelo seguinte: com todo respeito aos evangélicos, mas por que é necessário apagar a memória de um escritor ainda não totalmente conhecido pelo grande público paraense e brasileiro para colocar uma homenagem a uma igreja? Uma coisa não justifica a outra, a homenagem a uma instituição não pode vir acompanhada do esquecimento a um autor com Dalcídio.
Não sou contra homenagear a Assembléia de Deus, sou favorável, respeito, apoio, mas apagar o nome de Dalcídio Jurandir da avenida que levava o seu nome é no mínimo um desrespeito com a história política e literária paraense!
Acredito que existam tantas outras avenidas em Belém que não tenham o nome de personalidades da história ou que tenham datas e fatos que só eram significantes no momento da feitura da avenida ou rua. Dalcídio ficou por muito tempo esquecido na história literária paraense e nacional. Só recentemente, acho que há uma década ou um pouco mais, ele foi retomado pela academia local e um público mais amplo começou a conhecê-lo por seminários, eventos como os que ocorrem na Feira do Livro anualmente e a republicação de sua obra, que está sendo feita em parte pela Universidade Federal do Pará.
O talento literário de Dalcídio esta sendo muito falado nos últimos tempos, não sou um especialista em sua obra, outros podem falar muito melhor do que eu. É importante lembrar o caráter “etnográfico” da obre deste autor, no sentido de descrever as coisas da Amazônia, do Pará, sobretudo, as coisas do povo, tal como foi muito forte na geração modernista paraense, da qual se destaca, além de Dalcídio, Bruno de Meneses, De Campos Ribeiro, dentre outros. Aproveito pra colocar aqui a opinião de ninguém mais ninguém menos que Câmara Cascudo e Eneida de Moraes, a um só tempo, a respeito de suas obras.
Comentando o lançamento do terceiro livro do romancista “Três casas e um rio”, Eneida de Morais cita o comentário anteriormente feito pelo folclorista Câmara Cascudo ao mesmo escritor mas fazendo referencia ao lançamento de seu segundo livro, “Marajó”. As observações de Cascudo reafirmadas por Eneida naquela ocasião confirmam o que chamo de olhar “etnográfico” ou “folclórico” das artes paraenses. Neste caso, a referência era feita especificamente às obras de um escritor, mas podem ser generalizadas para todos os autores paraenses daquela geração, que de alguma maneira lançavam um olhar “curioso” às coisas do povo. Sobre Dalcídio Jurandir, Eneida tece a seguintes considerações na revista Amazônia, no final dos anos de 1950:

“Luis da Câmara Cascudo – considerou o segundo romance de Dalcídio Jurandir – MARAJÓ – uma ‘boa e segura fonte de informação etnográfica’. ‘O documento humano – diz mestre Cascudo – não foi empurrado e comprimido para caber dentro de uma tese, mas vive, livre e natural, na plenitude de uma veracidade verificável e crível’.
Assim também pode ser definido esse TRÊS CASAS E UM RIO, romance da terra paraense da vida amazônica. Dalcídio Jurandir, nêle se reafirma o romancista apaixonado pela terra onde nasceu” (Eneida e Moraes, na revista Amazônia em junho de 1958).

Dalcídio foi um autor respeitado por seus pares nas décadas de 1930 até os anos 1950/60. Lembro-me de outro exemplo, de uma entrevista recente que li de Ruy Barata (poeta paraense e letrista surgido na geração de 1945) na qual ele falava da importância do Dalcídio na sua geração, inclusive como um incentivador da literatura local. Segundo o próprio Ruy teria sido o Dalcídio que o levou para o Rio de Janeiro para a publicação de seu primeiro livro de poesia “Anjos do Abismo” pela José Olympio, quando o jovem poeta tinha ainda 16 ou 17 anos de idade.
Na entrevista, quando questionado sobre certo esquecimento pelo qual passava a obra a o nome de Dalcídio Jurandir, Ruy Barata dizia:

“É preciso que se desloque um nome no tempo e um corpo no espaço. Mas não tenho dúvida que o lugar do Dalcídio está garantido, é um grande escritor” (Entrevista a Ruy Barata na revista Amazônia Hoje, de agosto de 1989).

Pois é, ironicamente a Câmara Municipal de Belém quer deslocar ou já deslocou o nome de Dalcídio do tempo e do espaço!
Volto a dizer não sou contra homenagearem a Assembléia de Deus, mas protesto que por pretexto desta homenagem o nome de um artista da maior importância, política e literariamente falando, seja deslocado da memória pública da cidade.
Se essa história for verdadeira, isso é no mínimo um absurdo!

2 comentários:

  1. Concordo, e o mais absurdo é q se insiste em se deixar homenageados nomes de criminosos da ditadura como Castelo Branco,Costa e Silva e Jarbas Passarinho.Vai entender...

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  2. Concordo plenamente com você. Ainda mais quando a mudança de nome das vias e praças públicas é, acintosamente, uma demontração de Poder; veja o exemplo da 25 de setembro...
    Lembro da mudança do nome de Praça Kennedy para Praça Waldemar Henrique....
    Muitas pessoas foram contra, mesmo sendo esclarecidas da importância de homenagear um grande maestro paraense e não um presidente responsável pela mortandade de tantos pessoas em uma guerra....

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