domingo, 5 de setembro de 2010

O outro cosmopolitismo de São Paulo.


São Paulo é inegavelmente uma cidade cosmopolita, talvez a mais cosmopolita do Brasil... Bom isso não da pra afirmar. É difícil comparar cidades e ver qual é a mais moderna ou cosmopolita. Sei que São Paulo é de um cosmopolitismo peculiar, que mostra ao mesmo tempo toda sua diversidade e desigualdade.
Falo do cosmopolitismo dos milhões de nordestinos e nortistas que vivem na metrópole. Nas ruas de são Paulo, sobretudo no centro, aonde pessoas vão e vem o tempo todo pro trabalho, pro metrô, pra escolas, correndo do rapa, etc., temos uma multidão de sotaques, onde prevalece o nordestino (que por sua vez é muito diverso em si mesmo!). São cearenses vendedores de rua, pernambucanos taxistas, pastores de praças alagoanos, garçons paraibanos, paraenses cobradores de ônibus, mendigos maranhenses, camelôs baianos, etc., etc.
À noite na Paulista e na Augusta, em meio à emos, gays, skatistas, prostitutas, burguesinhos, moderninhos, mendigos, travestis, gringos, turistas, drogados, branquelos racistas e skinheads, punks, manos e minas, transeuntes de todo tipo, do mundo underground ao mundo careta, o que existe subjacente é o trabalho de milhares de nordestinos e nortistas que contribuem para o cosmopolitismo urbano. Contribuem em todos os sentidos: por ser a mão-de-obra barata que sustenta com suor o funcionamento de tudo e por contribuir com a miríade de sotaques que ouvimos por todos os lados...
Quando se pensa em cosmopolitismo urbano se pensa geralmente em cidades abertas para o mundo, para o que vem de fora; no Brasil, para o que vem dos EUA e da Europa, nosso modelo de civilização. Esquece-se que o cosmopolitismo é também o cosmopolitismo desigual dos migrantes pobres, dos trabalhadores, da ralé. Nem todos os nordestinos ou nortistas são pobres e excluídos, é verdade, mas muitos sim, por gerações e gerações fazendo a cidade e sendo esquecidos nela, ao mesmo tempo.
Lembro que a primeira vez que fui a São Paulo um amigo da Bahia falou uma coisa que me deixou atento para nossos preconceitos e, sobretudo, para nossos “esquecimentos” do que é obvio, e que por isso mesmo não pode ser esquecido. Disse ele: “em São Paulo se comemora de tudo, a presença japonesa, a presença italiana, etc. e tal, mas ninguém nunca se lembrou de comemorar a presença nordestina...”
É verdade...! Para o pensamento comum, quem faz a “boa” diversidade da urbe são aqueles que abrem a cidade para o mundo, mas nunca aqueles que constroem a cidade de baixo pra cima. Estes são vistos como úteis apenas pra limpar banheiro e lavar pratos. Por que não comemorar em São Paulo a presença nordestina ou nortista, já que ela contribui para a inegável modernidade e cosmopolitismo paulistano?
Talvez seja porque não há muito que comemorar, ou pelo fato de que teríamos que lembrar do passado, refletir sobre ele, sobre a condição da metrópole, sobre a condição da desigualdade subjacente a toda modernidade, a todo cosmopolitismo, à toda elegância da dura poesia concreta das esquinas paulistanas...
Ai talvez esteja o avesso do avesso do avesso do avesso do cosmopolitismo urbano...

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