terça-feira, 11 de junho de 2013

O não-lugar discursivo das funkeiras

O mais curioso nesse debate todo envolvendo o projeto de pesquisa de mestrado de Mariana Gomes sobre a Valeska Popozuda é que a maior parte das pessoas que se colocou contra o tema o fez sem considerar que se tratava de um “projeto de investigação” e que por sua própria natureza não necessariamente iria confirmar as hipóteses inicialmente sugeridas pela pesquisadora. Ou seja, se a Valeska representa ou não uma forma de feminismo que ainda não havíamos percebido só saberíamos ou saberemos ao fim da referida pesquisa.
Na verdade, à Valeska e à mulher funkeira em geral, não foi dado o direito de se tornar “objeto do conhecimento”. Ou seja, até mesmo o status de “OBJETO” a ser investigado não lhe foi autorizado por um discurso científico e por uma visão censo comum do que deveria pesquisar a ciência. Mas quem define o que pode ou não ser investigado? Não esqueçamos que a ciência na maior parte das vezes parte de uma epistemologia que foi construída a partir de uma visão de mundo que é a priori ocidental, branca e masculina.
Ou seja, a ciência, ou a visão que se tem de ciência normalmente, parte de uma concepção de que certos temas não merecem sequer ser investigados. São reservados assim ao NÃO-LUGAR DISCURSIVO das coisas a priori resolvidas, naturalizadas: ou seja, a mulher funkeira sempre será naturalmente alienada e por isso nem sequer deveríamos mexer nesse tema (que além de tudo, é brega!).
Ué, mas por que tanta polêmica para uma pergunta (ciência = pergunta), já que a priori perguntar não ofende? Ou ofende? Por que ofende perguntar (investigar) sobre o funk e sobre as mulheres quase todas negras e quase todas pobres do funk? Ofende a quem?
Isso me lembrou que esses dias na Alemanha, na Universidade de Leipzig, houve um amplo debate na mudança do estatuto da instituição, sobre o termo que se deveria usar para referir-se aos “professores”. Há algum tempo a universidade já usava algo como “professor/professora” nos textos oficiais, mas algums professores (possivelmente homens) criticaram essa mudança argumentando que os textos ficariam longos demais. Como resultado, o órgão que iria tomar a decisão final sobre o tema se posicionou dizendo que a partir de então, para evitar textos longos com o/a “professor/professora”, a universidade passaria a usar apenas “professora” nos seus documentos oficiais! Isso mesmo, “professorA”!
Resolvido! Por que se ofender com isso, não é?!
Mas voltando ao Brasil e ao caso do tema de pesquisa sobre a Valeska, é importante considerar que essa interdição de um discurso que é ainda o discurso da “investigação” (da pergunta, da dúvida, do problema, etc.) sobre uma mulher funkeira representa muito bem o que a ciência pode conter de poder de silenciamento sobre os grupos subalternos. E isso me lembrou uma frase solta que li um dia desses de Elie Wiesel, Prêmio Nobel da Paz. Ele dizia: “o carrasco mata sempre duas vezes, a segunda pelo silêncio”.
Pois então!
Deixo ao debate o excelente texto de Talita Silva sobre essa questão: Papo de academia: Lattes que eu tô passando.

Saravá!

3 comentários:

  1. Mas nisso, meu caro Tony, a academia é useira e vezeira. Há assuntos 'nobres', 'válidos', a serem abordados, e o resto é o resto, nada mais.

    Quando fiz meu TCC de Jornalismo, em 2001, escolhi trabalhar com as músicas religiosas do Roberto Carlos, que desde 93 tinha dado uma guinada católica mais acentuada. Foi difícil para a UFRGS aceitar (até comentaram comigo se fosse sobre Chico ou Caetano passava mais fácil). Mas enfim, eu e minha orientadora conseguimos mostrar que se tratava de um estudo de comunicação de massa - o cantor se comunica com o público, quase sempre mediado por rádio e TV.
    Como na época o RC lançava o disco sempre em dezembro, consegui equiparar seu CD a um periódico.
    E o grande trunfo foi achar num dicionário de comunicação social na biblioteca da própria faculdade o verbete 'Música Popular'.

    Se pesquisar o RC já era tenso, imagina a Valeska!

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  2. Só agora vi seu comentário! Muito bom! Tens razão se pesquisar o RC era difícil imagina a Valeska! Academia é muito conservadora ainda. Infelizmente. Abs.

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