O mais curioso nesse debate todo
envolvendo o projeto de pesquisa de mestrado de Mariana Gomes sobre a Valeska
Popozuda é que a maior parte das pessoas que se colocou contra o tema o fez sem
considerar que se tratava de um “projeto de investigação” e que por sua própria
natureza não necessariamente iria confirmar as hipóteses inicialmente sugeridas
pela pesquisadora. Ou seja, se a Valeska representa ou não uma forma de feminismo
que ainda não havíamos percebido só saberíamos ou saberemos ao fim da referida
pesquisa.
Na verdade, à Valeska e à mulher
funkeira em geral, não foi dado o direito de se tornar “objeto do conhecimento”.
Ou seja, até mesmo o status de “OBJETO” a ser investigado não lhe foi
autorizado por um discurso científico e por uma visão censo comum do que
deveria pesquisar a ciência. Mas quem define o que pode ou não ser investigado?
Não esqueçamos que a ciência na maior parte das vezes parte de uma epistemologia
que foi construída a partir de uma visão de mundo que é a priori ocidental,
branca e masculina.
Ou seja, a ciência, ou a visão
que se tem de ciência normalmente, parte de uma concepção de que certos temas
não merecem sequer ser investigados. São reservados assim ao NÃO-LUGAR
DISCURSIVO das coisas a priori resolvidas, naturalizadas: ou seja, a mulher
funkeira sempre será naturalmente alienada e por isso nem sequer deveríamos
mexer nesse tema (que além de tudo, é brega!).
Ué, mas por que tanta polêmica
para uma pergunta (ciência = pergunta), já que a priori perguntar não ofende?
Ou ofende? Por que ofende perguntar (investigar) sobre o funk e sobre as
mulheres quase todas negras e quase todas pobres do funk? Ofende a quem?
Isso me lembrou que esses dias na
Alemanha, na Universidade de Leipzig,
houve um amplo debate na mudança do estatuto da instituição, sobre o termo que
se deveria usar para referir-se aos “professores”. Há algum tempo a
universidade já usava algo como “professor/professora” nos textos oficiais, mas
algums professores (possivelmente homens) criticaram essa mudança argumentando
que os textos ficariam longos demais. Como resultado, o órgão que iria tomar a
decisão final sobre o tema se posicionou dizendo que a partir de então, para
evitar textos longos com o/a “professor/professora”, a universidade passaria a
usar apenas “professora” nos seus documentos oficiais! Isso mesmo, “professorA”!
Resolvido! Por que se ofender com
isso, não é?!
Mas voltando ao Brasil e ao caso
do tema de pesquisa sobre a Valeska, é importante considerar que essa
interdição de um discurso que é ainda o discurso da “investigação” (da pergunta,
da dúvida, do problema, etc.) sobre uma mulher funkeira representa muito bem o
que a ciência pode conter de poder de silenciamento sobre os grupos subalternos.
E isso me lembrou uma frase solta que li um dia desses de Elie Wiesel, Prêmio
Nobel da Paz. Ele dizia: “o carrasco mata sempre duas vezes, a segunda pelo
silêncio”.
Pois então!
Deixo ao debate o excelente texto
de Talita Silva sobre essa questão: Papo de academia: Lattes que eu tô passando.
Saravá!
Mas nisso, meu caro Tony, a academia é useira e vezeira. Há assuntos 'nobres', 'válidos', a serem abordados, e o resto é o resto, nada mais.
ResponderExcluirQuando fiz meu TCC de Jornalismo, em 2001, escolhi trabalhar com as músicas religiosas do Roberto Carlos, que desde 93 tinha dado uma guinada católica mais acentuada. Foi difícil para a UFRGS aceitar (até comentaram comigo se fosse sobre Chico ou Caetano passava mais fácil). Mas enfim, eu e minha orientadora conseguimos mostrar que se tratava de um estudo de comunicação de massa - o cantor se comunica com o público, quase sempre mediado por rádio e TV.
Como na época o RC lançava o disco sempre em dezembro, consegui equiparar seu CD a um periódico.
E o grande trunfo foi achar num dicionário de comunicação social na biblioteca da própria faculdade o verbete 'Música Popular'.
Se pesquisar o RC já era tenso, imagina a Valeska!
Só agora vi seu comentário! Muito bom! Tens razão se pesquisar o RC era difícil imagina a Valeska! Academia é muito conservadora ainda. Infelizmente. Abs.
ResponderExcluirInfelizmente mesmo, grande Tony, abs
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