terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Algumas considerações sobre a frase de Amazonino Mendes.



Em primeiro lugar é bom lembrar que elite é elite em qualquer lugar: na grande maioria das vezes - tirando um ou outro elitista ilustrado que consegue superar a sua própria condição material e existencial de classe - são racistas, sexistas, homofóbicos, xenófobos, etc. No caso da relação Pará/Amazonas é bom dizer que a elite de lá é tão nociva quanto a de cá.
Elite é elite em qualquer lugar, se fosse no Pará a elite local escolheria os maranhenses ou os cearenses para serem as vítimas de discursos discriminatórios. Afinal foram eles, e são ainda em grande parte, que colonizam o estado do Pará e boa parte da região amazônica. São estes que vêem de situação social originalmente precária em seus Estados de origem e se tornam os pobres daqui, assim como já eram os pobres de lá. Isso não é de hoje, lembremos os grandes ciclos migratórios de nossa região...
Quando a gente ouve o prefeito da Manaus falar “morra, morra!” pra uma pessoa qualquer, uma mulher, pobre, de traços indígenas, marginal, migrante, etc. estamos ouvindo a voz uníssona das elites brasileiras que acham que o pobre é pobre por incompetência, preguiça, vagabundagem, por ser índio, ou negro, ou ambos (no nosso caso). Soma-se a isso o fato de ser pobre e migrante, o que pras elites tem o significado de “se és fodido, que sejas fodido lá na tua terra!”. Isso não é novidade aqui, não é novidade em todas as regiões do Brasil!
Isso me lembrou uma segunda coisa, em cidades do sul e sudeste do Pará, onde a luta pela sobrevivência é desumana, onde grileiros tomam as terras de antigos colonos, de índios, de quilombolas e onde muito nordestinos vêem com a leda esperança de ganhar a vida, mas se dão mal, pois uma elite do Pará e de fora do Pará chegou primeiro... nessa imensa terra de ninguém, em nossa fronteira moderna... situações de preconceito contra pobres migrantes são tão comuns quanto essa mostrada no vídeo de Amazonino Mendes. Em cidades dessa região, por exemplo, chamar alguém de “maranhense” é ofensa grave, já que isso tem o mesmo significado de chamar alguém de fodido, ralé, de pé-rapado, indigente, etc. Isso mostra que xenofobia esta associada à pobreza e que em regiões de fronteira, como é o caso de partes significativas da Amazônia, vivemos um quadro de ampla desigualdade social.
Não podemos aceitar esse tipo de coisa! Mas, não podemos aceitar isso não por sermos paraenses de orgulho ferido por um prefeito de outro Estado. Não podemos aceitar isso por acharmos que todos têm direito à dignidade, à moradia de qualidade, à terra, à educação, ao emprego, à cidadania, e por considerarmos que a xenofobia, racismo, machismo, homofobia, etc., são crimes contra a dignidade humana, são ideologias que precisam ser combatidas por todos, independentemente da Região ou do Estado do Brasil.
Fico a imaginar os gabinetes de muitas lideranças políticas no Brasil, fico imaginando os palavrões proferidos, os xingamentos, as gargalhadas sarcásticas e cheias de preconceito de classe e raça. Perco-me a imaginar o que se fala sobre “essa gente” que mora em barracos, essa gente que fala alto, que esperneia, que grita, que é preta, que é escura, que é índia, que é pobre, mulheres vagabundas, pessoas de rua, ralé, corja, desdentados, sem educação, sem bons tratos, pessoas que comem farinha, que comem peixe e açaí, gente do mato, caboclos, gentinha, gentalha, povinho... gente que não entende as coisas, que fica fazendo bagunça nas nossas cidades, gente de outros lugares, gente feia... que se foda! Que morram! Essa deve ser a fala comum dos gabinetes do Brasil todo, de Manaus a Porto Alegre...
Quando um vídeo deste escapa, quando vemos um político perder o jogo de cintura e colocar pra fora tudo o que ele acredita de fato, mas que não pode falar em público, pois perderia os votos que o mantêm no poder... Quando vemos esse tipo de “deslize”, esse descuido, quando a gente ouve o que não poderia ser dito, estamos diante da ponta de um iceberg chamado “a verdade sobre a elite brasileira” ou a “verdade dos gabinetes”. É a mesma verdade de intelectuais, de empresários, de fazendeiros, de políticos, de lideranças religiosas, de celebridades, de jornalistas, de artistas, de ricaços anônimos, de “pessoas de bem”, pessoas de todas as regiões que tem em comum a condição de excluir, de culpar os pobres pela pobreza. A grande maioria dessas pessoas formam a elite de nosso país, seja por nascimento, seja por grilagem, seja por ascensão política ou seja por simples ideologia.
Mas olhem - Amazonino Mendes e toda essa corja – “esse gente” não vai morrer. Não é a exclusão física e espiritual da dignidade que matará os pobres. O que matará a pobreza será uma sociedade sem elites, sem aqueles que têm muito enquanto muitos têm pouco, sem racistas, machistas, homófobos, xenófobos, destruidores do meio ambiente, grileiros, fazendeiros safados!, assassinos de trabalhadores sem terra, assassinos de lideranças indígenas, assassinos de sindicalistas, de padres progressistas, etc. Essa gente é que deve ser excluída do poder, não por serem do norte ou do sul, de Manaus ou de Belém, mas por serem as classes sociais que sustentam a desigualdade e a exclusão, que sustentam com o seu modo de vida e sua cultura as favelas e a miséria e mantêm pobres mais pobres e ricos mais ricos!

3 comentários:

  1. Se disser que concordo com tudo que você falou estou mentindo, agora eu entendo o porque da xenofobia desmedida dos amazonenses, vem de cima, das autoridades constituidas e se enraizou por todos as camadas de uma sociedade desinformada e sem bases estruturadoras, sejam religiosas, educacionais ou familiares, lá como cá se ataca o que incomoda, só que os maranhenses não incomodam tanto os paraenses como os paraenses incomodam os amazonenses. Pelo menos por enquanto.

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  3. Parabén pelo texto! Muito coerente!
    Só acho que a opnião e a outorga da culpa aos paraenses pelos problemas sociais dos amazonenses não vem só das elites, mas sim de uma série de relações práticas que, apesar de serem geradas pela estrutura econômica desigual em que as elites se inserem como os promotores da exploração, condicionam a exclusão, inferiorização e rejeição do outro, do diferente (tendo-se o estabelecimento da diferença a partir de lógicas internas, apesar de poderem parecer bem semelhantes, como paraenses e amazonenses). Esse pensamento xenofóbico está presente em sociedades onde a pobreza não é latente. Vários são os fatores que não podem ser descartados, como identidades regionais, situações conflituosas, exploração, identidade religiosa ou étnica... Enfim, acho que a pobreza é o principal fator neste caso, mas creio que esse discurso não foi criado de cima pra baixo simplesmente, e sim da experiência prática da migração desordenada e da miséria gerada.

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