sexta-feira, 23 de março de 2012

O homem que parou

Um belo dia e o Homem cansou de andar.
Resolveu então parar. E parou.
Parou no meio da avenida movimentada. No meio da cidade.
Simplesmente parou.
No primeiro dia até que não chamou a atenção. Pessoas iam e vinham apressadas e alguém parado no meio da rua não incomodava, a priori, ninguém.
Na verdade incomodava um pouco, principalmente os carros que passavam apressados levando pessoas de um lado a outro da cidade, como se o mais importante fosse ir simplesmente, mesmo que não se soubesse para onde.
Porém, como era de se esperar, de tanta pressa que estavam as pessoas nos carros - preocupadas em ir, chegar e voltar - nenhuma teve tempo ou coragem para parar e retirar o homem que havia parado no meio da rua.
Nem tampouco o Guarda de Transito se incomodava. Na verdade se importunava, pois o Homem parado, bem no meio da rua movimentada, atrapalhava o transito e, pior ainda, estava parado, parado, absolutamente parado, sem se mover, nem sequer piscar!
Apesar do incomodo, o guarda preferiu não parar o que estava fazendo: apitar insistentemente para que os carros apressados ficassem com mais pressa ainda e não parassem o transito - o que poderia prejudicar aqueles que queriam ir ou aqueles que queriam vir naquela bela manhã ensolarada.
O guarda estava há pouco tempo naquela profissão, havia estudado muito para um dia ser um guarda de transito e não permitiria, em hipótese alguma, que o transito parasse. O guarda era um homem de valor, integro e honesto como poucos hoje em dia. Além do dever da profissão sabia também, pela sua grande experiência no marcar das horas e no observar o vai e vem dos carros, que a qualquer momento, apressado e atento, o fiscal dos guardas passaria para fiscalizá-lo.
O fiscal de guardas já trabalhava nesta profissão há décadas, sempre foi visto pelos mais novos como exemplo a ser seguido. Fiscalizava mais de uma centena de guardas em toda a cidade e ao chegar a cada ponto de fiscalização era enérgico em exigir habilidade, rapidez e constância no trabalho de apitar do guardas, de modo que sua missão maior - que era a de não deixar o transito parar nunca, para atender as pessoas que vinham e que iam - fosse cumprida com rigor.
Sabia o inteligente guarda, que se parasse de apitar e fosse verificar o homem parado poderia ser pego de surpresa pelo fiscal e poderia, quem sabe, até ser rebaixado para outro cargo menos digno.
Nos primeiros dias a situação correu de forma relativamente normal, o transito da cidade não andava muito bem mesmo, e talvez, como resultado dos relatórios semanais, poder-se-ia culpar a grande quantidade de pessoas indo e vindo, sempre para os mesmos lugares, como motivo maior dos constantes engarrafamentos.
Acontece que a estranha situação começou a incomodar as pessoas que passavam todos os dias por aquela movimentada rua. Começaram a perceber que, por mais estranho que pudesse parecer, aquele homem não parecia ir para lugar algum. Num primeiro momento, pensou-se que poderia ser alguém que pegou um atalho errado e acabou se perdendo. Pensou-se também que poderia ser um homem, perdendo alguns minutos de seu precioso tempo, pensando em estratégias perspicazes de no dia seguinte buscar caminhos mais inteligentes e rápidos para se chegar onde ele queria ir, ou voltar - e desta maneira chegaria sempre mais rápido e recuperaria em poucas idas e vindas o tempo que perdeu ao parar e ficar pensando. Seria uma atitude um pouco arriscada, mas que poderia dar certo em médio prazo. Apesar de ser moralmente condenável tal estratégia não chegaria a ser nenhum grande crime.
Tudo o que parecia ser não era e o Homem parado continuava ali parado e parado, dias seguidos de dias, semanas seguidas de semanas.
A notícia começou a se espalhar pela cidade. De todos os lados corriam boatos de quem seria o misterioso homem parado no meio da avenida. Uns diziam que era um louco, outros diziam que possivelmente era apenas um poste de iluminação publica de um novo material que refletido pela luz do brilhante sol ou da perfeita iluminação noturna da avenida, dava a impressão de ser um homem quando as pessoas passavam apressadas em seus carros. O que os defensores desta tese não conseguiam explicar era o motivo de se colocar um porte bem no meio da rua. Algumas pessoas pensaram em fazer um sinal para o guarda e outras, absurdamente pensaram em descer do carro e verificar elas mesmas o estranho ser, o que seria não só um crime como atrapalharia o transito e, pior ainda, faria com que a dita pessoa chegasse atrasado aonde pretendia ir e mais atrasada ainda quando pretendesse voltar. Muitos achavam que aquilo tudo não passava de uma lenda, dessas lendas urbanas de toda grande cidade.
Seja como for, as autoridades constituídas começaram a perceber o absurdo da situação. Dizia-se de rumores de outros homens em outras cidades que teriam também misteriosamente parado. Uma revista, dessas que adoram cobrir escândalos e fazem matérias sobre OVNI’s e ET’s, tentou dar um furo de jornalismo e divulgar a notícia para todo o país e para o exterior. Antes dela, porém, emissoras de rádio e TV já cobriam o evento. Dizia-se que o serviço de informação já desconfiava que isso ocorreria em questões de dias e que o exército demorou a agir. A oposição agitava-se e culpava o governo de conivência. Dizia-se que as autoridades eram na verdade marionetes de grupos e interesses misteriosos. Diziam que o mandatário maior da nação era um banana e não fazia nada. Testemunhas afirmavam que o mesmo homem ou um homem muito parecido com ele, que também ia e vinha todos os dias ao mesmo lugar, ao sair e voltar para casa, já teria tentado parar outras vezes, mas teria sido impedido por um jovem escoteiro que costumava atravessar velhinhos no sinal, o mais rápido possível, a fim de impedi-los de atrapalharem o transito da movimentada avenida.
Um deputado fez longo pronunciamento. Um ministro também o fez! Uma modelo e atriz desempregada correu nua no parlamento protestando! Um ex-presidente se pronunciou. Informou que o governo já sabia. Teria provas irrefutáveis: o governo já sabia, bradava dos palanques! Motoristas buzinavam em protesto. Dois ministros pediram demissão. Outros tantos diziam que a esquerda tentaria tomar o poder a qualquer momento. Outros já calculavam o número de mortos e desaparecidos. O caos se instalou. Um atraso. Um desvio. Talvez pudessem ser tolerados - Na verdade não poderiam - mas um homem parado em público. Isso era demais. O que fazer? Pensaram as autoridades.
No Estado Maior das Forças Armadas. Todas as autoridades reunidas. Estabeleciam-se os planos.
Um ataque rápido e direto com artilharia.
Chamariam a tropa de elite das forças armadas?
Um psiquiatra para tratar o louco. Seria um louco?
Pensavam.
Talvez uma troca estratégica de prisioneiros e depois abafar o escândalo na TV com maciça propaganda sobre as políticas do Estado na regeneração de criminosos. O problema era que o terrorista, parado, não negociava, não dizia suas intenções e nem a que grupo pertencia. Nem negociava troca de prisioneiros.
As idéias iam e vinham como tudo naquela cidade. O problema continuava.
Resolveu-se então!
Engenheiros, máquinas e peões na rua. Começou, então, uma grande obra pública, com apoio das grandes empresas privadas da cidade. Outdoors anunciavam a nova inauguração. Era o progresso. Estava o prefeito, estava o ministro, o Estado Maior, ricos empresários. Deram meio dia inteiro - meio dia inteiro! - de feriado. O povo clamava as inovações da grande urbe. A massa ordeiramente exaltava as inovações no espaço urbano.
Inaugurava-se o primeiro elevado da cidade. Com vários metros de altura, várias e amplas avenidas com dez pistas de cada lado, área para transito exclusivo de motos, ciclovia de duas mãos, iluminação perfeita, guaritas especiais e modernas onde vários guardas de transito poderiam o dia todo apitar para agilizar o transito. “O progresso como sempre trazendo nossa redenção!”
Em baixo do elevado uma área obscura, onde outrora havia uma grande, embora obsoleta, avenida. Já não servia aos propósitos de uma cidade movimentada. Curiosamente um guarda armado fazia a segurança e impedia que qualquer transeunte tentasse observar a antiga pista. O que teria lá? Por que a segurança evitando o acesso? Ora, o importante é que o novo elevado era perfeito e deixava o transito fluir com toda a velocidade. Pra que se preocupar com a antiga avenida? Quem perderia tempo olhando para baixo? Quem ousaria parar o transito? Os carros iam e vinham. As buzinas estavam a todo vapor naquela manhã ensolarada. Pessoas corriam para chegar. Outras tão rápidas quanto essas voltam apressadas. Sempre iam a algum lugar. O tempo passava rápido, tão rápido quanto o apito dos guardas. Os guardas apitavam. As pessoas iam e vinham. Os guardas apitavam. As pessoas iam e vinham apressadas. Tudo parecia normal. O transito fluía com rapidez e tranqüilidade.
A manhã estava mesmo ensolarada naquele dia...

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