quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Aniversário de Belém, comemorar o que?

O grande problema dos textos apologéticos em homenagem à cidades, estados, países é a ausência do conflito. Pinta-se a homenageada como se fosse a pura beleza harmônica, planifica-se a imagem, escamoteia-se a heterogeneidade, e, pior, esconde-se a barbárie que esta por trás de toda beleza, como dizia Walter Benjamim. No aniversário de Belém quero lembrar de suas margens, topográficas e sociais, de todos aqueles que vivem na cidade cindida. Uma cidade “bela”, “morena”, “cabocla”, “poética” de um lado, mas que de outro lado é desigual, exclui os mesmos “caboclos” cantados em versos e prosa para as favelas, para as baixadas alagáveis e pobres, para os confins “não literários” da existência. A feiúra da cidade “não cabe neste poema”? É a pergunta que fica? Poetas de plantão, não querendo ser estraga prazeres, mas convido a cantarmos a cidade inteira, de verdade, não utópica! O que Belém e seu povo podem comemorar então?
Não quero dizer aqui que eu tenho a formula para como comemorar a cidade. Obviamente não tenho formula de nada, nem muito menos pretensão de tê-la! Só me cansa às vezes tanto mais do mesmo!
Para Belém deixo um poema que, por sinal, já até publiquei aqui:


Tecno-brega

Tum-tum tá
Tum-tum tá
Tum-tum tá
Tum-tum ta

“3, 50 R$ o recarregador novinho na TF, mas até 3 R$ morre!”
Tem sansungue, tem éle gê, tem até disco antigo do Pinduca,
Mas se quiser peixe frito, tem na barraca perto do mercado
“me dá 10 no tecrado, que a gente negocia!”

“1 real o DVD!”

hoje saí pra namorar a cidade
em todas suas facetas
suas gretas
ruelas
paisagens
sarjetas
quero revirar seu intestino-esgoto
no baixo meretrício
no porto
quero ver as criancinhas brancas
de classe média e alta
entrando nos carros com ar condicionado
serei o garoto que vende bala
tostando no asfalto

o capacete do carona do moto-taxista é quente, cheira e suor e é empoeirado,
mas é mais barato e passa por entre os carros
a única desvantagem é que não da pra ouvir música alta
o amarelo da blusa do moto-taxista brilha no sol das três da tarde,
na hora que as meninas de calça coladíssima e bucho aparecendo (tudo provocado pelo consumo excessivo de farinha, provavelmente!) estão no intervalo de aula do Brigadeiro Fontenelle
elas inventaram uma nova moda...
que povo criativo esse...

serei o tio do cafezinho
na esquina da escola
quero o belo e o feio destas ruas
fazer Cooper na Avenida Tucunduba
ou na Praça Batista Campos?
o que fazer com o vendedor de balas
que não deixaram entrar no coletivo?
o que ele gritava, quase chorando, bufando, quase morrendo?
era câncer-vida,
vida-desespero,
vida-dor?
câncer-câncer!
quero visitar os palacetes,
as telas-mito de nossa origem
os vultos
nossos grandes defuntos
- não os pobres viventes –
impávidos colossos sorridentes

Tum-tum tá
Tum-tum tá
Tum-tum tá
Tum-tum ta

quero-me ver refletido em toda a cidade
na vidraçaria da Estaca das Docas
nas valetas, canais e poças
nos igarapés, esgotos
vou tomar banho de maré com as crianças
da Terra Firme
ouvindo tecno-brega em alto volume...

terra-firme-praça-até-o-tucumduba!
terra-firme-praça-até-o-tucumduba!
terra-firme-praça-até-o-tucumduba!
terra-firme-praça-até-o-tucumduba!
Guamá-até-o-clipe!
Guamá-até-o-clipe!
Guamá-até-o-clipe!
terra-firme-praça-até-o-tucumuamá-até-o-clipe-1,50-R$!-só-1,50R$-freguesa!
Aceita-meia?Mas-ansim-mano!ai-tu-já-qué-falí-a-empresa!-terra-firme-praça-até-o-tucumduba!
terra-firme-praça-até-o-tucumduba! Guamá-até-o-clipe! Guamá-até-o-clipe!

Tum-tum tá
Tum-tum tá
Tum-tum tá
Tum-tum ta

mataram 3 na ligação só no domingo!

Três horas da tarde o sol esquenta, o asfalto ferve, o sol esquenta a costa morena do transeunte e o vapor exala!

cerveja a 1 real até a meia noite!

fotografei a cidade com meus versos
pintei suas ruas com meu canto
ouvi a partitura de seu pranto
em um menino que vendia balas
e transcrevi a sua cara
o seu espanto e desalento:
- um miserável que espera em silêncio
esperaria um poema abstrato?
esperaria comida no prato?
esperaria socorro somente?
ou um trocado pra fazer a cabeça?
uma “parada” pra consumir a mente!
contudo, observo, antes que eu esqueça
que este poema não mudou nada
em sua vida desgraçada!
e nem se quer em alegria
termina a merda desta poesia!

Um comentário:

  1. Belo poema distópico, prezado.

    Mas temos o mesmo que comemorar no aniversário de Belém, do que comemoramos no aniversário de qualquer pessoa - dito que personificamos a cidade em seus eventos importantes, assim como na campanha da divisão de nosso estado. Comemoramos as coisas boas, as belezas sim, as belas praças sim, pois muito acima da maioria das coisas serem o Pão e Circo de nosso cotidiano de belenense, como uma porcaria de um show da Ivete Sangalo que me perturbou a noite inteira, como a badalação fútil e a beleza fedorenta da Doca de Souza Franco, eu tenho o meu passeio com minha filha na Praça Batista Campos, os meus domingos em família em plena Avenida Pedro Miranda.
    Temos muito mais a contemplar do que as queixas clichês politizadas de pessoas insatisfeitas consigo mesmas que buscam um propósito vazio na vida de criticar o que possuem de mais precioso.
    Sério, gostei mesmo da poesia. Mas reflete muito pouco o que é Belém, assim como se encaixada em qualquer outro cotidiano de qualquer outra cidade Brasileira (ou mundial, quiçá).
    É muito triste refletir somente a tristeza. É muito triste cantar somente a feiúra. Tendências Byronianas não combinam com o dia a dia de nenhum brasileiro, que apesar de bobalhão, é feliz.
    "Vou me desfazer dessa babação de ovo clichê e mandar minha própria opinião!" Ok, tente. E você relerá seu texto mil vezes, e mil vezes você reparará que o texto é inteiro um clichê. Mas é entediante ler, apesar de bonito. Porque é triste, mas não é emocionante. Se sua tentativa foi byroniana, passou longe.
    Fica a dica.

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