Pesquiso duas vezes por semana na Academia Paraense de Letras. Confesso que não sou adepto de academias literárias, prefiro a poesia dita marginal, mesmo considerando que foi o grande Machado de Assim que criou a Academia brasileira no Rio.
Seja como for não da pra negar que as Academias de Letras Brasil a fora são espaços carregados de história, em todos os sentidos. São nestas instituições que muito da história intelectual e literária do Brasil mantêm grandes acervos. Livros que não encontramos mais em lugar nenhum, encontramos nelas.
Dou um exemplo: na APL encontram-se a coleção completa da revista Belém Nova, que no Pará foi o local de florescimento dos poetas modernistas liderados por Bruno de Menezes, na década de 1920. Este é apenas um exemplo.
Mas o que queria dizer era o seguinte:
Estava eu na APL, vasculhando papeis velhos, como sempre, e chegou uma historiadora na busca de uma revista específica. Não sei se encontrou, mas enquanto estava lá ela foi abordada por um velho acadêmico, “imortal” melhor dizendo, que se dirigindo a ela disse:
“O dia que você estiver com preguiça de ler um livro grande como este [apontando para um livro na mesa da sala], leia um destes!”.
E jogou um de seus pequenos livrinhos, algo parecido com um cordel, para que ela olhasse.
A pesquisadora pegou o livrinho de maneira desconfiada, olhou desatentamente, folheou com visível desinteresse e , sem dizer uma palavra, o devolveu para o autor, voltando a fazer o que estava fazendo: conversando com outra pesquisadora que estava na pequena sala de pesquisa.
Ora minhas caras e meus caros amigos, permitam-me ser chato – o que faço com primor neste blog, já o sabem meus singelos seguidores: o que poderíamos esperar de alguém que vai a uma Academia de Letras consultar o seus arquivos, é abordada por um de seus “imortais” que a oferece um livro para aferição? Acho que o mínimo a se esperar seria a educação de olhar com atenção (mesmo que por simples e pura etiqueta!) e um agradecimento. Afinal era isso que se esperaria para qualquer pessoal, independentemente de ser ou não um “imortal”.
Este caso banal que hora descrevo mostra uma coisa que observo muito na seara dos historiadores (e outros cientistas sociais no geral): um desapego pela história! Como assim, perguntariam meus valorosos 17 seguidores?
Desapego sim! Pois a maior parte dos historiadores especializa-se demasiadamente em seu tema de pesquisa, seja lá qual for, torna-se um grande conhecedor de uma década, uma metade de século, uma geração, um tema, uma pequena amostra da realidade, mas esquece ou não tem opinião, ou pior ainda, não expressa interesse em todo o resto da vida (passada ou presente).
Às vezes parece que o historiador que estuda, por exemplo, a religião popular no fim do século XIX não tem nenhuma opinião, desconhece, não percebe, prefere não comentar nada sobre a religião popular do presente. Conheço historiadores que ficariam falando horas sobre o seu tema de pesquisa, mas que não teriam o que dizer sobre uma matéria sobre questões presentes, por exemplo, a questão do MST, ou a arte pop, ou o governo Hugo Chaves, ou o funk carioca, ou seja o que for. Não que eu pense que temos que ter opinião sobre tudo, mas não somos débeis mentais, antes de sermos especialistas somos seres de pensamento e emoção... Se perdemos a capacidade de observar e sentir o nosso tempo, não podemos observar e sentir o passado.
Isto serve particularmente para os historiadores, mas não só pra eles: um médico, por exemplo, que não consegue ver antes de qualquer coisa uma vida plena em seus pacientes de consultório, e não só um conjunto de órgão, circulação e funções, não será um bom médico!
Entrar numa academia de letras é ter contato com a história em duas esferas: na história que os arquivos, os livros antigos, as revistas guardaram e na história viva dos próprios personagens que estão lá, ainda hoje, agora, fazendo a história literária de uma região. Acho que estas pessoas merecem pelo menos educação. E volto a dizer, não sou propriamente um adepto de academias e coisas do tipo, mas sou antes de qualquer coisa um amante da história, sobretudo a história viva, que presencio em todos os lugares, na minha vida, no dia-a-dia, no ponto de ônibus, num bar, ou numa Academia de Letras...
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