quinta-feira, 5 de agosto de 2010

ABA leva tecnobrega e funk ao “Boteco das 11”: antropólogo pode!

Ontem foi o encerramento da ABA (associação Brasileira de Antropologia) que ocorreu na UFPA, em Belém. Nada a declarar em relação ao evento, não participei. Mas, curioso mesmo foi a festa de encerramento.
Os antropólogos do Brasil conseguiram levar o Funk carioca e o Brega paraense (dois gêneros musicais originários da periferia do Rio de Janeiro e de Belém, respectivamente) ao “Boteco das 11”, um dos mais aristocráticos bares de Belém.
No “das 11” se reúne a burguesia local (supostamente culta e refinada) pra tomar sua cervejinha de fim de tarde. O bar fica no bonito complexo “Feliz Lusitânia”, no centro antigo de Belém. Local cercado de museus e à margem do Rio Guamá e Baia do Guajará.
Provavelmente foi a primeira e a última vez que o brega ou o funk tocaram e foram dançados (com desenvoltura, diga-se de passagem) naquele bar. Curiosamente até a cerveja estava relativamente barata: na madrugada os garçons já anunciavam 2 latinhas por 5 reais. E corriam de isopor na cabeça de lá pra cá, de cá pra lá, gritando: “2 latinhas por 5, 2 por 5!”. Parecia mesmo uma festa de “aparelhagem”!
Pra mim este fato inusitado nos mostra ao mesmo tempo a contradição dos intelectuais e da elite brasileira.
De um lado mostra que muitos antropólogos (mas também historiadores, sociólogos, literatos, artistas, jornalistas, etc.) fetichizam a figura do “popular” e do “popularesco”. Em muitos casos (obviamente que não em todos!) os intelectuais cultuam o “outro” (o pobre, o caboclo, o caiçara, o ribeirinho, o índio, o negro, o nordestino, etc.) contanto que este “outro” permaneça sob controle, higienizado, permaneça “em seu devido lugar”. Falo isso porque nunca que aconteceria da presença dos produtores e consumidores originais de brega e do funk no “Boteco das 11”.
O brega e o funk só ocorreram naquele lugar porque era uma versão “branca” e “civilizada” de uma “festa de aparelhagem”, caso contrário os seguranças teriam colocado os “bregueiros” e “funqueiros”, da periferia, todos pra fora do bar!
É bom lembrar que boa parte da elite paraense, assim como boa parte da elite brasileira, vê gêneros musicais como o Brega ou o Funk como lixo cultural.
É bom lembrar ainda que isso ocorreu também com o samba, que no início do século XX era visto como um batuque bárbaro de gente desqualificada e perigosa. E mesmo com o carimbó que até o início do século XX era inclusive proibido de ser tocado, pelos códigos de postura de municípios como Belém e Vigia:

Código de Postura do Município de Belém em 1880:

“Artigo 107: É proibido, sob pena de 30.000 reis de multa:
Parágrafo 1º - Fazer bulhas, vozerias e dar autos gritos sem necessidade.
Parágrafo 2º - Fazer batuques ou samba.
Parágrafo 3º - Tocar tambor, carimbó, ou qualquer outro instrumento que perturbe o sossego durante a noite, etc.”
(Citado em SALLES, Vicente e SALLES, Marena Isdebski. Carimbó: trabalho e lazer do caboclo. In: Revista Brasileira do Folclore. Rio de Janeiro, 9 (25), set./dez. 1969 p. 260)


Por outro lado, o evento de ABA prova também o quanto a elite de Belém (e do Brasil de maneira geral), que renuncia o brega, o funk, etc., é tacanha e colonizada. São “caboclos querendo ser ingleses”, como disse uma vez Cazuza. Adoram ser moderninhos e vanguardas ouvindo músicas que estejam na moda em Londres, Toquio ou N. York. Porém muitos destes estavam alegremente se balançando ao som do tecnobrega e do funk, fantasiados de antropólogos. Pois antropólogo pode!
Agora temos que esperar outro grande encontro acadêmico na cidade para os espaços da elite serem ocupados pela música suburbana local.
Enquanto isso o brega e o funk ocupam seu espaço, a partir da margem, onde a cultura pulula, sem a ordem, sem a “higienização” de um espaço como o “Boteco das 11”. Mostrando que a cultura popular subalterna, por mais que possa ser criticada em muitos aspectos (o que é necessário que se faça também!), não precisa ser exotizada e fetichizada para fervilhar!

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