Em verdade a
morte é o grande dia da vida de qualquer pessoa, já que em geral todos os seus
erros são perdoados e se ele for uma pessoa pública ou conhecida na sua
redondeza vão aparecer depoimentos e depoimentos dizendo que ele foi um bom
homem ou uma boa mulher.
De fato, até os
inimigos nessas horas costumam chorar sobre o caixão do antigo adversário e
proferem discursos voltairianos do tipo: “Não concordo com uma palavra do que
dizias, mas defenderia até o último instante seu direito de dizê-la, caso você
estivesse vivo. Porém, tendo em vista que você está morto, tanto faz como tanto
fez!” (obviamente que essa última parte é falada em silêncio, para que os
familiares não percebam!).
Esses
depoimentos são apenas uma das vantagens de se estar morto. Outras ainda podem
ser citadas. Pois vejamos:
O café! Velório
que é bom tem que ter café! E muito café! E baralho também. Na verdade o café
acompanha o baralho da mesma forma que as velas acompanham o morto. Sobretudo
nos velórios populares que já participei, o baralho é quase tão importante
quanto o defunto, e quanto o café. Diria até que muitos jogadores de baralho
esperam ansiosamente o vizinho moribundo morrer para garantir pelo menos uma
noite inteirinha dedicado ao seu jogo preferido (sem que a sociedade o condene
como viciado e vagabundo). Deve-se considerar ainda que a economia de café nas
casas da vizinhança do defunto é muito grande nessas 24 horas de velório, o que
contribui sobremaneira para o bem estar social!
O piadista é
outra coisa que não pode faltar. O piadista é o cara que mesmo estando sofrendo
com a morte do defunto, tem o altruísmo de falar coisas engraçadas (às vezes
até as peripécias do defunto em vida!). O piadista, poucos sabem, tem um grande
papel em nossa sociedade e na vida dos mortos, ou, melhor dizendo, na hora da
passagem dessa pra melhor. Ele é um elemento ambivalente, uma espécie de
palhaço trágico, que garante que mesmo na hora do sofrimento os entes queridos
do defunto consigam rir um pouco, lembrar dos bons momentos da vida com o defunto,
e até, quem saber, chegar à conclusão de que na verdade o dito cujo já vai
mesmo é muito tarde (isso apenas em casos mais extremos, obviamente!)!
Antigamente
também era comum a presença de mulheres carpideiras, que iam pra chorar sobre o
caixão do morto. Era muito romântico, mas parece que ficou como uma coisa do
passado! Em alguns casos temos também a presença do próprio morto avisando aos
entes queridos de que morreu. É o famoso fantasma da alma recém-desencarnada!
(aproveito esse espaço e aviso desde já que não farei essa sacanagem com meus
amigos e familiares. Ao morrer, caso eu não desapareça por completo, prometo
não puxar o pé de ninguém à noite e nem me manifestar como alma penada.
Qualquer aviso que tenha pra dar, deixo por escrito aqui neste blog para
conhecimento público, antes de morrer).
É importante
considerar ainda que o cidadão em desacordo com a condição de vivo, vulgarmente
conhecido como defunto, tem direitos inalienáveis que devem ser garantidos!
Falta-nos ainda uma declaração universal dos direitos dos homens e mulheres
mortos, mas de certo que entre os direitos e deveres do defunto então a
existência de um caixão, um buraco na terra pra ser enterrado, direito a não
ser comido (a não ser em casos de acidentes de avião em regiões isoladas e
geladas do globo e se forem europeus invasores de terras indo-americanas!),
direito a feder, mesmo depois de tomar o último banho, e a apodrecer!
Mas, caros
leitores, a essa altura do campeonato vocês devem estar se perguntando por que
estou falando de tudo isso? Ocorre que hoje de manhã acordei com a seguinte
frase na cabeça: “a morte é em verdade o grande momento da vida de qualquer
pessoa!”.
Isso porque além
de todas essas sociabilidades que já falei acima, a morte é também a grande
chance para, caso exista céu, irmos ao encontro do onipotente, oniciente e
onipresente! E caso não exista céu vamos simplesmente deixar de existir.
Ora meus caros,
o que a maior parte das pessoas não percebeu ainda é que deixar de existir não
é propriamente uma coisa má. Na verdade não é também uma coisa boa. Na verdade
não é nada! A não existência não tem cheiro nem sabor, não dói nem dá prazer,
não é audível nem é silenciosa, nem quente nem fria, nem doce nem amarga, nem
azeda nem salgada, nem chuva nem sol, nem inverno nem verão.
A não existência
é simplesmente o que ela não é, ou seja, não é, é nada, em sendo um não ser, o
não existir, nada faz ou desfaz, somente é o seu não ser, o que nem sequer se
pode definir!
Neste sentido,
morrer do ponto de vista da sociedade que cerca o indivíduo morto é um bom
negócio, por todas as benesses que já expus (piadistas, elogios ao defunto; sem
contar outros temas como o crescimento da economia de caixões e flores, a
possibilidade do viúvo ou viúva trocarem de cônjuge, etc.).
E do ponto de
vista do morto, ele terá as possibilidades de ir para o céu ou simplesmente
deixar de existir.
Não coloquei a
categoria inferno ou diabo de chifres e tridente nesse debate, pois acho que
esse papo de inferno é contemporaneamente uma invenção de Edir Macedo e Cia. E
não vou dar ibope pra esse tipo de gente que dá mais moral para o diabo do que
pra Deus! Sem contar que se deus existir mesmo, e se for um cara maneiro, ele
vai chegar à conclusão de que foi ele quem colocou a gente nessa enrascada
toda, e agirá com justiça e perdoará todo mundo para garantir a paz celestial
eterna no paraíso. Bom, mas isso caso deus exista! Eu, de minha parte, ainda
sou adepto da tese de que depois que a gente morre viramos “nada” mesmo!
Então meus
caros, tendo em vista o exposto, diria que morrer não é tão ruim assim. E
defendo a tese de que morrer é o momento mais importante da vida de qualquer
cidadão! O que dá a nós, seres vivos, a grande vantagem de um dia deixarmos de
existir, em superioridade às pedras, por exemplo, que estão condenadas à eterna
existência, em decorrência da ausência da morte!
Essa é,
portanto, mais uma vantagem que nós temos, e não uma desvantagem, como pode
parecer à primeira vista.
Então, se você é
como eu, uma daquelas pessoas que vai morrer algum dia, lhe desejo que
aproveite a sua morte da melhor forma possível, pois que eu saiba ela só
acontece uma vez na vida, digo, na morte, e por isso mesmo tem que ser
valorizada!
Sem mais, nos encontramos por aqui. A não ser que eu, ou um de vocês, morra!
Amém, pra quem é
de amém; sarava pra quem é de sarava!