sábado, 25 de fevereiro de 2012

No exato instante

No exato instante em que a bala atravessa a epiderme, a derme e o tecido adiposo de qualquer parte de teu corpo... No momento exato, no exato instante em que o metal escaldante corta e queima célula a célula em frações de segundo, rompendo vasos, fragmentando ossos, adentrando em miolos, neutralizando neurônios, esmagando substancias, espatifando carne, triturando pele, explodindo olhos, corroendo pensamentos... Neste exato instante, enquanto a bala atravessa a cabeça de um lado a outro, aproveitando-se por vezes dos caminhos dos orifícios pré-existentes, do canal do ouvido, do nariz ou dos olhos, espatifando as paredes do organismo... Neste exato instante...
No instante exato em que a faca rompe as barreiras da pele e adentra bravamente a barriga, rasgando tudo, lubrificando de sangue seu caminho metálico-cintilante... Neste exato instante em que as tripas se rendem e a dor se atiça, no momento em que as entranhas vêem o mundo externo e a merda se espalha nas cartilagens, nos órgãos, na pele, nos poros... No momento em que a bosta sai de seu ritmo natural rumo ao reto e em que o metal cintilante trepida, esbagaça, embaralha, sacode, arrebenta tudo que tem dentro de teu corpo pré-defunto... Neste exato instante...
No exato instante em que o câncer carcomeu toda a matéria e espalhou-se nos órgãos profundos, levando à longa e dolorosa agonia... Na hora em que o pus se liberta da prisão tumoral que viveu por meses e se espalha levando fetidão ao organismo e correndo nas artérias como um sangue podre, pervertido, corrupto, maldoso, gangrenado, putrefato... No momento em que a dor amiga, que deixou vivo o organismo que já não realizava nada, abandona o corpo e nem nada mais sobra além de podridão... Neste exato instante...
No exato momento em que a morte decepa a tua cabeça e por uma micro-fração de segundo, enquanto teu crânio rola de teu pescoço ao chão em movimentos circulares, de rotação, batendo em peito, barriga, pernas, pés e terra... Neste exato instante enquanto os olhos de defunta cabeça ainda assistem o espetáculo bárbaro de teu fim, quando não é mais possível fazer nada pois teu cérebro gira como uma bola de futebol... Neste exato instante, no momento em que tu estás entre o aqui e o desconhecido, a existência e o nada, na fração de segundo em que a dor não significa nada... Na fração microscópica de segundo em que o teu cérebro ainda funciona...
Neste exato instante dirás:
- Quero mais, quero mais! Foi desgraçadamente bom tudo isso!

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