segunda-feira, 4 de julho de 2011

Tecno-brega

Tum-tum tá
Tum-tum tá
Tum-tum tá
Tum-tum ta

“3, 50 R$ o recarregador novinho na TF, mas até 3 R$ morre!”
Tem sansungue, tem éle gê, tem até disco antigo do Pinduca,
Mas se quiser peixe frito, tem na barraca perto do mercado
“me dá 10 no tecrado, que a gente negocia!”

“1 real o DVD!”

hoje saí pra namorar a cidade
em todas suas facetas
suas gretas
ruelas
paisagens
sarjetas
quero revirar seu intestino-esgoto
no baixo meretrício
no porto
quero ver as criancinhas brancas
de classe média e alta
entrando nos carros com ar condicionado
serei o garoto que vende bala
tostando no asfalto

o capacete do carona do moto-taxista é quente, cheira e suor e é empoeirado,
mas é mais barato e passa por entre os carros
a única desvantagem é que não da pra ouvir música alta
o amarelo da blusa do moto-taxista brilha no sol das três da tarde,
na hora que as meninas de calça coladíssima e bucho aparecendo (tudo provocado pelo consumo excessivo de farinha, provavelmente!) estão no intervalo de aula do Brigadeiro Fontenelle
elas inventaram uma nova moda...
que povo criativo esse...

serei o tio do cafezinho
na esquina da escola
quero o belo e o feio destas ruas
fazer Cooper na Avenida Tucunduba
ou na Praça Batista Campos?
o que fazer com o vendedor de balas
que não deixaram entrar no coletivo?
o que ele gritava, quase chorando, bufando, quase morrendo?
era câncer-vida,
vida-desespero,
vida-dor?
câncer-câncer!
quero visitar os palacetes,
as telas-mito de nossa origem
os vultos
nossos grandes defuntos
- não os pobres viventes –
impávidos colossos sorridentes

Tum-tum tá
Tum-tum tá
Tum-tum tá
Tum-tum ta

quero-me ver refletido em toda a cidade
na vidraçaria da Estaca das Docas
nas valetas, canais e poças
nos igarapés, esgotos
vou tomar banho de maré com as crianças
da Terra Firme
ouvindo tecno-brega em alto volume...

terra-firme-praça-até-o-tucumduba!
terra-firme-praça-até-o-tucumduba!
terra-firme-praça-até-o-tucumduba!
terra-firme-praça-até-o-tucumduba!
Guamá-até-o-clipe!
Guamá-até-o-clipe!
Guamá-até-o-clipe!
terra-firme-praça-até-o-tucumuamá-até-o-clipe-1,50-R$!-só-1,50R$-freguesa!
Aceita-meia?Mas-ansim-mano!ai-tu-já-qué-falí-a-empresa!-terra-firme-praça-até-o-tucumduba!
terra-firme-praça-até-o-tucumduba! Guamá-até-o-clipe! Guamá-até-o-clipe!

Tum-tum tá
Tum-tum tá
Tum-tum tá
Tum-tum ta

mataram 3 na ligação só no domingo!

Três horas da tarde o sol esquenta, o asfalto ferve, o sol esquenta a costa morena do transeunte e o vapor exala!

cerveja a 1 real até a meia noite!

fotografei a cidade com meus versos
pintei suas ruas com meu canto
ouvi a partitura de seu pranto
em um menino que vendia balas
e transcrevi a sua cara
o seu espanto e desalento:
- um miserável que espera em silêncio
esperaria um poema abstrato?
esperaria comida no prato?
esperaria socorro somente?
ou um trocado pra fazer a cabeça?
uma “parada” pra consumir a mente!
contudo, observo, antes que eu esqueça
que este poema não mudou nada
em sua vida desgraçada!
e nem se quer em alegria
termina a merda desta poesia!


Todo dia tem!

3 comentários:

  1. Gosto do teu estilo de escrever, realmente fotografaste muito bem a cidade com os teus versos. Parecia que eu estava vendo as meninas de "bucho quebrado" em frente ao Brigadeiro Fontelle, os garotos vendendo balas e tostando ao sol. Gostei em particular dessa parte:
    "quero visitar os palacetes,
    as telas-mito de nossa origem
    os vultos
    nossos grandes defuntos
    - não os pobres viventes –
    impávidos colossos sorridente"
    A maioria das pessoas acha que a história está no passado, esquecem que estamos fazendo a história agora. Nem tudo que vemos agrada aos olhos, mas tudo serve de alimento para a alma e, quando se tem uma alma de poeta, fatalmente acaba em poesia. Não curto o tecno-brega, assim como não curto ver garotos tostando ao sol tentando vender balas, mas eles existem e fazem parte de uma realidade que não podemos ignorar, mas sim aprender com ela. Parabéns!

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  2. Muito Bom! A alma viva, o sangue pulsante na veia dos miseráveis, o cotidiano da periferia q está estampado tds os dias na cara dos narizes empinados.
    Faço parte também desse contexto, como irmã nessa luta contra as violências sofridas tds os dias e sigo assim como vc procurando dentro de cada entulho um pouco de poesia.
    Parabéns caríssimo.

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  3. Obrigados pelos comentários. Agradeço vcs ainda estarem acompanhando meu humilde blog rsrs. Agradeço em particular Idalécio pela sacada do que eu exatamente queria dizer. E à Jac deixo a cobrança de aparecer mais nos nossos eventos. Bjs.

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