Na década de 1920 um visitante na cidade
de Belém se impressionava com a grande quantidade de vegetação na urbe, com
os parques arborizados e com as frondosas mangueiras. Dizia ele:
Da janella do meu quarto, neste Grande
Hotel da Paz, no popular e aristocrático Largo da Pólvora, eu tenho sob os
olhos, numa visão larga e espraiada, como uma tela de paisagem, a cidade de
Belém, com o seu casario multiforme e cor de cinza.
(...)
Entremeando as casas e os palacetes,
enfeitiçando-os, com o encanto de sua chlorophila, as árvores de um verde
carregado, aqui e ali, alegram a architectura da cidade.
(...)
As tuas árvores são a tua maravilha. Não
conheço cidade de arborização mais perfeita e mais completa.
As tuas ruas, as tuas praças, as tuas avenidas,
os teus largos, os teus “boulevards” parecem as alamedas de um parque.
Ah! As tuas mangueiras, simetricamente
dispostas, quer nas ruas mais elegantes, quer nos becos mais sórdidos, fornecem
ao visitante uma nota de novidade.
(...)
Que maravilha os parques de Belém!
O viajante em questão
era Raimundo de Menezes, que visitou Belém entre os anos de 1925 a 1927. Suas
impressões sobre a cidade foram publicadas no livro “Nas Ribas do Rio-Mar”, impresso
no Rio de Janeiro em 1928.
A visão do autor
tratava principalmente do centro da cidade, como dá pra perceber pela referência
ao hotel que ficava no Largo da Pólvora, hoje Praça da República. Mas outros
autores fizeram referencia às arvores e jardins das ruas suburbanas da “cidade
das mangueiras”. De campos Ribeiro, por exemplo, no seu famoso “Gostosa Belém de
outrora...”, publicado em 1965, tratou de suas memórias de infância e adolescência
no bairro do Umarizal. O seu Umarizal é o bairro das décadas de 1910 e 1920 e um
pouco adiante, já que viveu nele até 1927. Era naquela época ainda um lugar
“tranqüilo (...) com suas centenárias mutambeiras, seus cercados com
caramanchões de onde se debruçavam recendentes jasmineiros em flor”, como cita o
autor. Era assim uma área ainda com ares de cercanias ao Centro, com vegetação
e caminhos, longe da “cidade”, ou pelo menos com características próprias.
Obviamente que outros
autores citaram outros bairros de Belém e deram destaque à floresta que ainda
fazia parte da cidade. Assim como chamavam a atenção às inúmeras praças e
parques.
Acredito que de fato
Belém poderia ser considerada à época uma cidade muito arborizada. As crônicas jornalísticas
e a literatura paraense das décadas iniciais do século XX mostram isso
recorrentemente.
O problema é que a
cidade cresceu demais, novos bairros surgiram, e não houve um sistemático
cuidado com a arborização da cidade. A “Cidade das Mangueiras”, como tanto nos
orgulhamos de falar, é hoje uma das cidades menos arborizadas do Brasil,
segundo o que foi noticiado em pesquisas recentemente colocadas à público na
grande imprensa.
Aqui não se trata de um
depoimento melancólico e saudosista dos tempos passados, coisa muito recorrente
no pensamento sobre a cidade de Belém - diga-se de passagem! Não estou aqui
dizendo que o passado era melhor e por isso devemos voltar a ele, ou algo do
tipo. E deixo claro que longe de mim defender que Lemos foi o pai da cidade e
coisas do tipo – hoje sabemos que a “modernização” de Belém realizada no fim do
século XIX e início do XX, em boa parte feita por este intendente, representou
uma cruel e autoritária exclusão das classes populares dos bens urbanos que
deveriam ser de todos! Antônio Lemos, como se sabe, é um dos mitos regionais
que deve ser duramente criticado e revisto.
Estou dizendo apenas
que a cidade por muitas décadas aparentemente não tem enfrentado a sério a
questão da arborização e climatização urbana – ou seja lá como isso se chama em
termos técnicos. Falo apenas como um cidadão que caminha pela cidade e vê que,
fora a região central e mais antiga, as ruas não têm proteção ao sol, não há
quase jardins públicos e muito menos praças. As praças da cidade são quase
todas no centro. Nos novos bairros, quando existem, elas então quase sempre
abandonadas ou subutilizadas.
A famosa “cidade das
mangueiras” é um mito, como tantos outros sobre Belém. Esse mito tem que ser
discutido pela população da cidade. E isso é particularmente importante num
tempo em que a cidade se aproxima dos seus 400 anos, triste e abandonada pela
atual administração.
O próximo governo, e
espero que seja de tendência progressista, tem essa tarefa pela frente. Fazer
do mito uma realidade de novo! Colocar de novo, ou colocar pela primeira vez,
na pauta da cidade o tema da arborização, dos jardins e praças públicas para
todos – sobretudo na periferia, nas áreas pouco planejadas e pobres.
Será que conseguirá?
Eu espero que sim,
afinal, se houver consciência ecológica somado a planejamento urbano não
excludente, a cidade de Belém poderá talvez fazer jus ao título pelo qual foi
conhecida Brasil a fora!