sexta-feira, 27 de julho de 2012

Belém, "cidade das mangueiras"?


Na década de 1920 um visitante na cidade de Belém se impressionava com a grande quantidade de vegetação na urbe, com os parques arborizados e com as frondosas mangueiras. Dizia ele:

Da janella do meu quarto, neste Grande Hotel da Paz, no popular e aristocrático Largo da Pólvora, eu tenho sob os olhos, numa visão larga e espraiada, como uma tela de paisagem, a cidade de Belém, com o seu casario multiforme e cor de cinza.
(...)
Entremeando as casas e os palacetes, enfeitiçando-os, com o encanto de sua chlorophila, as árvores de um verde carregado, aqui e ali, alegram a architectura da cidade.
 (...)
As tuas árvores são a tua maravilha. Não conheço cidade de arborização mais perfeita e mais completa.
As tuas ruas, as tuas praças, as tuas avenidas, os teus largos, os teus “boulevards” parecem as alamedas de um parque.
Ah! As tuas mangueiras, simetricamente dispostas, quer nas ruas mais elegantes, quer nos becos mais sórdidos, fornecem ao visitante uma nota de novidade.
(...)
Que maravilha os parques de Belém!

O viajante em questão era Raimundo de Menezes, que visitou Belém entre os anos de 1925 a 1927. Suas impressões sobre a cidade foram publicadas no livro “Nas Ribas do Rio-Mar”, impresso no Rio de Janeiro em 1928.
A visão do autor tratava principalmente do centro da cidade, como dá pra perceber pela referência ao hotel que ficava no Largo da Pólvora, hoje Praça da República. Mas outros autores fizeram referencia às arvores e jardins das ruas suburbanas da “cidade das mangueiras”. De campos Ribeiro, por exemplo, no seu famoso “Gostosa Belém de outrora...”, publicado em 1965, tratou de suas memórias de infância e adolescência no bairro do Umarizal. O seu Umarizal é o bairro das décadas de 1910 e 1920 e um pouco adiante, já que viveu nele até 1927. Era naquela época ainda um lugar “tranqüilo (...) com suas centenárias mutambeiras, seus cercados com caramanchões de onde se debruçavam recendentes jasmineiros em flor”, como cita o autor. Era assim uma área ainda com ares de cercanias ao Centro, com vegetação e caminhos, longe da “cidade”, ou pelo menos com características próprias.
Obviamente que outros autores citaram outros bairros de Belém e deram destaque à floresta que ainda fazia parte da cidade. Assim como chamavam a atenção às inúmeras praças e parques.
Acredito que de fato Belém poderia ser considerada à época uma cidade muito arborizada. As crônicas jornalísticas e a literatura paraense das décadas iniciais do século XX mostram isso recorrentemente.
O problema é que a cidade cresceu demais, novos bairros surgiram, e não houve um sistemático cuidado com a arborização da cidade. A “Cidade das Mangueiras”, como tanto nos orgulhamos de falar, é hoje uma das cidades menos arborizadas do Brasil, segundo o que foi noticiado em pesquisas recentemente colocadas à público na grande imprensa.
Aqui não se trata de um depoimento melancólico e saudosista dos tempos passados, coisa muito recorrente no pensamento sobre a cidade de Belém - diga-se de passagem! Não estou aqui dizendo que o passado era melhor e por isso devemos voltar a ele, ou algo do tipo. E deixo claro que longe de mim defender que Lemos foi o pai da cidade e coisas do tipo – hoje sabemos que a “modernização” de Belém realizada no fim do século XIX e início do XX, em boa parte feita por este intendente, representou uma cruel e autoritária exclusão das classes populares dos bens urbanos que deveriam ser de todos! Antônio Lemos, como se sabe, é um dos mitos regionais que deve ser duramente criticado e revisto.
Estou dizendo apenas que a cidade por muitas décadas aparentemente não tem enfrentado a sério a questão da arborização e climatização urbana – ou seja lá como isso se chama em termos técnicos. Falo apenas como um cidadão que caminha pela cidade e vê que, fora a região central e mais antiga, as ruas não têm proteção ao sol, não há quase jardins públicos e muito menos praças. As praças da cidade são quase todas no centro. Nos novos bairros, quando existem, elas então quase sempre abandonadas ou subutilizadas.
A famosa “cidade das mangueiras” é um mito, como tantos outros sobre Belém. Esse mito tem que ser discutido pela população da cidade. E isso é particularmente importante num tempo em que a cidade se aproxima dos seus 400 anos, triste e abandonada pela atual administração.
O próximo governo, e espero que seja de tendência progressista, tem essa tarefa pela frente. Fazer do mito uma realidade de novo! Colocar de novo, ou colocar pela primeira vez, na pauta da cidade o tema da arborização, dos jardins e praças públicas para todos – sobretudo na periferia, nas áreas pouco planejadas e pobres.
Será que conseguirá?
Eu espero que sim, afinal, se houver consciência ecológica somado a planejamento urbano não excludente, a cidade de Belém poderá talvez fazer jus ao título pelo qual foi conhecida Brasil a fora!

terça-feira, 24 de julho de 2012

O "treme"

O recorte da cultura popular é horizontal. Daí o sentido da palavra “popular”! Quando os intelectuais verticalizam o popular em demasia, ela tende a folclorizar-se ou literarizar-se (literatura "canônica") excessivamente. Outra forma de verticalização excessiva é indústria cultural - que é diferente da simples e pura comercialização, circulação. Nos dois casos perde-se o vínculo com a cultura popular viva e dinâmica e ela é congelada no tempo, torna-se artefato do passado, museu – ou vira mercadoria! A perda do sentido de horizontalidade leva à perda do sentido de continuidade histórica da cultura popular. Daí que muitos intelectuais não reconhecem o popular do presente, enxergam-no apenas e exclusivamente como lixo ou indústria cultural. Daí que o caboclo é sempre visto remando e pescando e nunca transformando tecnologia em artefato cultural. Que há indústria cultura isso é obvio, mas será que isso explica toda a complexidade da coisa. Parece que esqueceram que o mesmo caboclo que dançava carimbó nos anos 60 no Jurunas é o que dança o treme em toda a periferia da cidade atualmente (guardadas as devidas proporções históricas e geracionais)!

quarta-feira, 11 de julho de 2012


O que me move são meus pés
Minha cabeça é uma antena
O que me move são meus quadris
Minha cabeça, espaçonave
O que me move são meus membros
Minha cabeça, meteoro
O que me move são meus dedos
Minha cabeça, relâmpago
O que me move são meus medos
Minha cabeça, atmosfera
O que me move é o movimento
Minha cabeça, pensamento
O que me move é meu corpo
Mas quem viaja é minha mente
Meu corpo move, consome e sente
Mas quem viaja é minha mente
Meu corpo cansa, chora o batente
Mas quem flutua é minha mente
Meu corpo morre continuamente
Mas quem se eleva é minha mente
Meu corpo goza, sofre e sente
Mas não transcende a dor presente!

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Puro conhaque

Este blog ainda está ativo, minha criatividade é que foi pro beleléu. Mas logo logo voltará. Ela faz isso às vezes. Nada que umas boas doses de pinga da boa não resolva, qualquer madrugada dessas. Ou umas doses de conhaque num bar barato de um centro urbano qualquer.
A podridão das cidades sempre me emociona, no bom e no mau sentido.
Sendo assim, deixo um boleto inacabado que fiz ano passado. Quando ele ficar pronto e for musicado, por mim ou por um de meus parceiros, deverá se tornar um grande sucesso dos puteiros das cidades brasileiras - quem sabe até um sucesso dos puteiros de todo o mundo.
Será sempre tocado às madrugadas, quando os desiludidos amorosos, os traídos, os trocados, os abandonados e todos aqueles feridos profundamente no coração estiverem prestes a dormir em cima da mesa do bar, para desespero do garçom que está louco pra ir pra casa!


Puro conhaque

Garçom me traga um copo de puro conhaque
E um cinzeiro de cristal, pois quero fumar
Não deixe em nem um momento meu copo vazio
Não deixe em nenhum momento meu cigarro apagar
Eu quero que na tua vitrola só toques boleros
Canções que lembrem o amor que a vida não me deu
Eu quero beber em soluços todo meu lamento
E quando a Aurora começar a surgir no firmamento
Saberei que minha noite acaba sempre em vão
Eu quero a dose mais pura do álcool menos nobre
Dançar com a moça mais vulgar de todo salão
E se o dia raiar e o primeiro raio de sol fulgir
Saberei que de noite em noite, de bar em bar
Saberei que de copo em copo, de dor em dor
Deixo minha vida solitária seu rumo seguir